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Mostrando postagens de junho, 2019

A calça rasgada no frio

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Fez frio em Porto Alegre. Um dia, neste inverno em tudo atípico. Não bastasse o mundo parecer muito bizarro atualmente, com pessoas defendendo ideias de terra plana e não tomar vacinas, o clima também não parece ajudar.  Morar em uma região meridional de um país tropical e bonito por natureza (é automático, a música sai sem eu sentir, do tempo que o Jorge era só Bem) sempre teve a vantagem de saber o que eram quatro estações bem definidas. Calorões imensos nos verões, frios intensos no inverno, intercalados por ventosas primaveras e chãos de folhas coloridas nos outonos. Este ano não. Embora tenha esfriado um pouco, ainda é meio verão. Usar mangas curtas em pleno final de junho é muito esquisito. Só não estou de sandálias porque pé branco ninguém merece. Se começaram a rir é porque nunca viram um pé branco gaúcho nos meses invernais. Mas fez frio no meio da semana. Quarta feira para ser mais exata. Me chamou a atenção que, cedo da manhã, fazendo tipo 6 graus centígrados, me passa

Porque risoto e não sagu

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Confesso.  Tenho uma enorme dificuldade para aguardar algo. Tudo o que requer paciência de algum modo, me é difícil. Caminho rápido, detesto filas, odeio quem conta histórias com minúcias e já fico adivinhando o final. E cortando quem fala.  Descubro os mistérios dos livros, adoro spoilers e leio o final antes de acabar. Aliás não apenas leio o final, como pesquiso na internet sobre tudo o que vai acontecer nos livros, séries e filmes.  Definitivamente não nasci para os mistérios que custam a ser revelados. Com tudo isso, sou procrastinadora. Contraditoriamente e infelizmente eu adio o que não comecei. Adio terminar o que começo rápido. Um paradoxo? Talvez, nunca disse que era alguém especialmente decifrável, embora adore me rotular de coerente. Talvez o seja. Coerente com a minha incoerência.  Em geral me aceito assim.  Engulo a comida aos pedaços, corro na frente das pessoas que caminham comigo e só me dou conta quando elas começam a gaguejar de cansaço.  Meus exercícios para trab

Tudo que morde pede socorro

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Ler Cinthia Kriemler é um ato ao mesmo tempo desafiante pela sua temática, mas também fascinante pelo envolvimento com que suas frases e palavras bem construídas vão nos enredando em uma armadilha de aprisionamento. Deleitoso aprisionamento.  A começar pelo título altamente instigante: tudo que morde pede socorro. Só ele nos leva a pensar muito no significado. As carências que geram violências, as rudezas que escondem chamamentos. A sina do ser humano de ser único e ao mesmo tempo gregário. E nem sempre saber lidar com isso com a devida tranquilidade. Tranquilidade não é o que se vai achar neste livro. Sua diagramação já nos mostra a ideia de grilhões que são arrebentados. Uma alforria que se conquista, nunca uma dádiva.  Quando recebo um livro, meu processo de leitura é altamente sensorial. Primeiro eu o namoro. Mentira, antes de tudo, eu sinto um prazer sensual pelo embrulho do correio. É como se o abrir fosse desnudando um ser, um reconhecimento que se anuncia

Leituras de minha mãe - como me tornei mais leitora

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A biblioteca de minha casa sempre foi algo fascinante. Para as condições econômicas de meus pais, que não eram absolutamente ruins, mas que também não eram exuberantes, os livros sempre foram artigo de primeira necessidade. Machado de Assis convivia com Stendhal numa boa. E até Cassandra Rios dava suas caras por lá. Obviamente que não nas estantes ao nosso alcance. A danadinha ficava na mesinha de cabeceira de meus pais e creio que, como fomos criados com respeito à privacidade alheia, eles achassem que a gente pequena não ia xeretar. Eu xeretava. E lia aquelas coisas proibidas com menos de dez anos. Para uma guria que cresceu com a lenda familiar de ter lido a Divina Comédia com essa idade, que mal faria uma sacanagenzinha de vez em quando. Não, eu não li a Dante com essa idade, li apenas um resumo da Divina Comédia que devia estar em uma alguma das enciclopédias que meu pai amava comprar também.  Assim cresci entre o inferno e o paraíso, de Alighieri a Rios, passando por Mo

No tempo da delicadeza

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Tecia migalhas de palavras ao vento. Tudo parecia desencaixado por magia. Não dessas magias suaves, que criam teias de leveza. Magias das mais estranhas, que tornam o cotidiano um palco de peças de irreconhecível enredo. As saudades de tempos eternos se fazia presente.  Um ontem em que, se não havia certezas, os caminhos pareciam mais plausíveis.  Ou mais serenos. No tempo da delicadeza se podia ler com calma, rir de piadas sutis. A sutileza existia naqueles tempos idos. Até a ironia não precisava ser explicada! Havia quem a entendesse em um piscar de olhos. As palavras eram mais harmoniosas. As narrativas, mesmo as contraditórias, eram como peças de uma sinfonia que se afinava em crescente tensão para desembocar em um gran finale que apenas demandava aplausos e bravos. E acenava com outros grandes musicais. Não eram uma mistura desafinada de sons que não se completam em uma grosseira manifestação que se poderia chamar de tosca. Não! Não a ópera! Tosca de pouco zelo,

Poetas suicidas - exercício de inspiração em poemas

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Uma tarde entre poetas, sabendo de outras poetas, duas mulheres incríveis que escolheram sair da vida na hora que quiseram.  Suicidas. Tema espinhoso. Sendo a vida tão fantástica e vendo mulheres tão corajosas para viverem suas verdades, enfrentando mundos e sociedade, fica mais complexo pensar que elas abdicassem dessa mesma vida que tanto viveram em intensidade.  Quem há de entender os desvios da alma alheia? Quem há de apontar qual o melhor caminho para outros. Uma vez li uma máxima que dizia: posso ver tua ferida, não posso sentir a tua dor . Por mais empatia que tenhamos, ninguém vive a intensidade do sentir do outro.  Fico pensando nas vidas de Alfonsina Storni   e Florbela Espanca , as poetas explanadas. Talvez o sentir tão diferente do comum , as tenha afastado do caminho socialmente mais aceito. Talvez...as respostas só elas tinham.  Pensar sobre me faz pensar sobre todas as mulheres, sua sina, suas rotas e suas narrativas. Me faz pensar na minha própri

Das amigas que a Vida me trouxe

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Brasília, 1970. Para a adolescente que chegava de Porto Alegre, aquela cidade chuvosa parecia em tudo diferente. O primeiro apartamento em uma quadra cheia de barro, fez minha mãe chorar de saudades de sua casa conhecida. Quase que nossa aventura brasiliense terminou ali. Mas não. Logo um novo apartamento, imenso, cheio de janelas. Entrei e corri para elas, coisa que sempre faço até hoje. Preciso ver a rua, ver o universo que se esconde lá fora. Era um novo mundo. Eu tinha quase 13 anos. Da janela de baixo uma menina fez a mesma coisa que eu. E por uma dessas forças de energia, ao mesmo tempo em que olhei para baixo, ela olhou para cima: era a Luiza. Maria Luiza, carioca, recém chegada como eu. Um ano mais nova. A loira como seu pai a chamava. Duas covinhas sorridentes e uma alma aberta pisciana.  Não lembro como começamos a conversar. Mas recordo como nunca mais paramos.  Eram encontros na quadra, uma dormia na casa da outra. Trocávamos sonhos e confidências. Le

Notícias da guerra e o destino de Laura

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Já se disse que as mulheres enxergam as guerras com uma outra visão, muito diferente da masculina. Se para os homens, lutar significa honra e coragem, para as mulheres significa muito mais mortes,  violação e perdas. Por isso perceber a história de grandes guerras pelas palavras de uma menina que vai se tornando mulher, nos propícia uma outra abordagem para um período tão intenso da história da humanidade.  Laura, uma jovem do interior gaúcho, nascida em uma família abastada e gozando de todas as benesses que isso acarreta.  Laura e sua família com histórias e roteiros traçados, aqueles que fazem as regras, ou pelo menos nao  as tem que cumprir ao pé da letra. Laura e suas amigas, vivendo novas emoções, crescendo e aprendendo a prosseguir a sina das mulheres que enfeitam e não lutam. O mundo à sua volta mudando. As relações econômicas ruindo. As ambições políticas lá em outro lado do mundo tendo repercussões em suas vidas tão prosaicas. O mundo pequeno onde a

Puta feminista

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quando uma mulher se dá conta que tem direitos, todas as mulheres ganham - Monique Prada Duas palavras que por si só causam polêmica. Muitas vezes servem de xingamento porque onde já se viu essas mulheres que ousam não apenas falar, mas exigir direitos? E respeito. Respeito falando de putas? Como assim se na nossa concepção de sociedade elas são como a Geni do Chico, servem para aplacar os ardores dos guerreiros, mas passados esses momentos, são boas mesmo para apanhar. Há uma intensa contradição na própria palavra puta. Se por um lado como substantivo feminino ela é, em geral, usada como um termo pejorativo. E aí não faz muita distinção entre as profissionais ou as leigas. Basta um passo fora do roteiro traçado entre as pecadores e santas, e logo vem o epíteto que chega como marca do que não presta aos olhos de uma sociedade machista: puta! Por outro lado, também é usada como adjetivo de algo imensamente bom: um puta cara! Interessante que nesses casos, o adjetivado é em ger

Evanescer com a vida na vazante

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Havia algo estranho nos caminhos que se bifurcam. As palavras, antes tão presentes e sorrateiras, estavam mais distantes. Pareciam aquelas amigas com as quais se perde o contato, vão sumindo, se perdendo na bruma dos tempos. Quando se vê, nosso vocabulário se empobrece e fica restrito aos mesmos e velhos termos. Prosopopeias e que tais se tornam apenas figuras de linguagem, já quase sem significado. Queria gritar coisas belas, mais que isso, queria vociferar bravamente angústias e vitórias. Que ficassem na intenção. Tudo era tão devagar agora. Seu tempo era de esperas. Tentava abarcar o mundo com seus inúmeros tentáculos e já não sabia como. Seus braços eram pequenos, já não tinham a força de antigamente. A mesma casa, a mesma janela, outro sol, mas lembrava tempos de antes. Já vivera esse tempo. A imensa roda da vida girava fazendo de conta que era nova. Mas não era. A menina que chegara naquela cidade, cheia de vontades, ainda morava nela. As mesmas inquietudes. As mesmas e