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Mostrando postagens de junho, 2017

Corrente dispersiva

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A cabei de criar um poema belíssimo. No banho. Esqueci assim que saiu. Odeio quando isso acontece. Especialmente em uma época de pouca inspiração. Daquelas que sento na frente de uma tela. E nada. Basta sair, relaxar e surgem as palavras, as rimas, tudo aos borbotões.  De certa maneira minha vida segue esse ritmo. Produzo lindamente quando isso nada tem a ver com a minha vida prática. Sou daquelas que move mundos pelos outros. E por mim, nada. Nado na corrente dispersiva de uma vida cinzenta que se perde nos escaninhos de uma realidade fugidia. Ponto. E não me venham com auto ajuda. Conheço a receita do bolo. Mas...entre a teoria e a prática reside uma imensa lacuna que só é preenchida com uma sintonia coração e mente.  Ponto. Estou naquela época da vida cheia de verdades absolutas. Coisa mais chata. Melhor um colibri voejante de dúvidas que uma senhora sisuda cheia de certezas. Ever. Enfim. Foi-se o momento. A poesia parida no banho foi para o limbo das memórias in

Tulipa na cabeça

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Fazia frio naquele julho gaúcho. Não mais que já tinha feito em outros invernos. Mas este era especialmente doloroso. Era dentro dela que a dor doía. Em outros anos ela tinha uma companheira quase que constante. Esperança era seu nome. Nos dias mais cinzentos, Esperança voejava ao seu redor, abrindo janelas, espantando temores, dando aquela coragem que só as amigas de verdade sabem dar.  Um dia Esperança sumiu. E ela começou a ficar doida.  No começo achou que fosse uma escapada qualquer, dessas que as pessoas dão quando querem repor as energias. Ela mesma tinha feito isso ano passado. Pela primeira vez em dez anos. Fora tão bom. Vai que Esperança tivesse feito o mesmo. Mas não. Sumiu. Não mandou recado, não deixou celular. Nem e-mail. Procurou nas redes sociais. Tinham várias Esperanças. Mas nenhuma a sua. Quando se deu conta enfim que ela não ia mais retornar foi que compreendeu. Tinha enlouquecido. Olhava ao redor e nada mais tinha graça de antes. Nada a comov

Esmagado pelo asteroide

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O jornal caído no chão tinha uma notícia instigante. E assustadora. Era ainda nostálgica e gostava da palavra impressa, essa coisa narcótica e anacrônica de ver símbolos sobre o papel. A cama desfeita guardava o calor da noite. E os cheiros também. Já repararam como o cheiro da gente se acentua nas noites, especialmente as mal dormidas? Fica uma inhaca forte no ar que precisa ser dissipada com o ar que renova as manhãs. Um copo de café semi quente ao lado da taça de vinho de ontem formavam uma moldura e contavam uma história na mesa de cabeceira. Junto com o livro de perguntas, aberto na página do dia 12 (ontem), ainda em branco. O lápis sobre ele era um apelo mudo para uma resposta que não vinha. A pergunta? " Quem desperta teu cinismo ?" Não era quem, mas o quê. Mas ela teimava ler quem. E por isso não escrevia. Ela sabia a resposta.  Era uma pessoa de bom senso. Não demonstrava grandes mudanças de humor. Era serena. E isso era alardeado como uma qualidade. Nunca

Rascunho da vida cinzenta

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Amanheceu a manhã de um dia qualquer. Um daqueles que escorre devagar e vai se formando na alma da gente como gota que pinga de um remédio.  Arrastou as cobertas de supetão, mas antes correu os olhos pela tela que lhe mostrava o que tinha acontecido enquanto dormia. Deu um suspiro ao ver as notícias. Melhor ver os gatinhos que eram mais fofos e enterneciam mais que as tragédias e mesmices dos sites de imprensa. Passou por debaixo do chuveiro sem tempo para aquele banho demorado em que podia meditar. De todos os pecados inconfessados destes tempos de cobranças comportamentais, o banho era o pior. Gastava água sim. Sem remorso. Sem vergonha. Tinha lá os seus pecados.  Engoliu um café preto misturado com pedaços de pão com manteiga e saiu à rua. A rua. Cada dia mais assustadora. Tinha vezes em que se imaginava nos tempos em que as pessoas não tinham necessidade de sair dos muros e quando o faziam, eram em comboios intensamente vigiados. Mas não só os perigos de fora a detinha

Patética

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Aquele dia/semana/tempo que não acaba em que tudo fica cinza. Não é depressão não. É um quê de inadequação, de desligar de si mesma. Patética. Quem nunca? Nada dá certo. Pior que isso, não dá vontade nem de tentar. Muito patético. Qualquer migalha vira montanha. E nem TPM a gente tem mais para servir de desculpa. A criatividade míngua. A fome aumenta. (Parece que são interligados - estômago e mente se unem e desunem em total sintonia esquisita que aumentam e diminuem de acordo com a circunstância.) Uma vez eu imaginava que havia em mim um botão de liga e desliga. Era antes de existir essa coisa de bipolar. Era coisa de adolescente. Mas vamos convir que já deixei o aborrecido período teen há várias décadas atrás.  O me sentir tão patética de hoje tem mais a ver com uma desesperança de agir. De sentir que o meu pensar e sentir se tornou tão absoleto. Que o que saí de mim é irrelevante.  Eu me perdi de mim. Obvio. Não sou burra e já me conheço de longa data. Já f

Fale seu amor para que ele perdure

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Estava arrumando umas coisas e achei uma folha escrita à caneta tinteiro. As linhas já meio apagadas numa folha daquelas bem finas que a gente usava para escrever cartas. A data? 12 de junho de 1967.  Quem não é desse tempo não entende. A gente não tinha whatsapp, nem email, nem celular. A gente escrevia a mão. E como o correio demorava, entre uma e outra correspondência, a gente escrevia muito. Longas cartas. As minhas tinham desenhos, recortes, cores, tudo o que pudesse mostrar para a outra pessoa o que a gente estava sentindo. Era tipo olhar o universo. A gente mira uma estrela, mas aquela luz pode nem existir mais nas enormes distâncias que atravessa para chegar até nós.  Assim eram as correspondências.  E por isso as folhas finas. Imaginem cinco, sete, dez folhas em um envelope! Sim!!! Eram textões! E como eram aguardados! A gente não se contentava com telegramas. Estes eram para as notícias urgentes, e normalmente elas não eram boas...."se fosse ruim a gente já s

De uma mulher qualquer

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Iluminada. Acordou cheia de luz. Dessa luz que não importa o cinza nublado de fora, ela inunda a alma e se esparrama feito maria mole pela vida. Nem bem sabia o porquê. Nem tinha motivo. Ela que fora parida por Maria/Joana/Clarice/Rosemari. Gerada em uma noite de lua cheia e ardente em que fora seduzida pelo Mario/Miguel/João/Claudenir que a envolveu em seus braços, arrotando palavras de sedução tão novas e delirantes. Mentira. Foi uma foda dessas de fim de noite, entre duas pessoas que nem mais se olhavam de tão conhecidas, dessa convivência que vira fardo, vira vida tão normal que cansa. Cansa até os poros. Nem sabe como tiveram energia para que um ovulo se abrisse a um espermatozóde. Deve ter sido descuido. Só pode. Oito meses depois nasceu aquela guria mirrada. Feinha que dava dó. O Mario/Miguel/João/Claudenir já tinha morrido em um acidente de trabalho. Depois de uma jornada de oito horas, foi fazer bico de segurança. Bala perdida numa briga qualquer de bar. Um número nas

Atire a primeira pedra quem nunca errou

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Quase todo dia somos bombardeados por uma polêmica nova nas redes sociais. E algumas são claramente calcadas em uma total  Intolerância  com o pensamento alheio que, muitas vezes, nem merece uma lida ou ouvida com atenção e despida de pré conceitos. Sabem aquela velha prova de interpretação de texto que pegava muita gente no colégio? Continua pegando. Tem gente recebendo pedradas de quem não entendeu nada do que ouviu ou leu. E acha que entendeu. E não estou falando nem em ter opinião diferente. Isto é outra coisa. É não captar mesmo o contexto. Pessoa citou algo como exemplo e pronto, é julgada e condenada como se o exemplo fosse sua prática ou tivesse a sua concordância.  E quando as ideias não combinam, então, saí da frente, porque as pedras vão vir. A maioria sem argumentos mesmo. Vão do vômito ao xingamento, sem apelo nem habeas corpus. Aliás estes instrumentos jurídicos parecem estar ficando obsoletos em tempos mais pragmáticos como os de hoje onde os fins justificam os me