Olhos treinados em acender vontades
e não saberemos dizer qual foi o instante em que cessaram riso, abraço, murmúrio ou o toque das nossas mãos entre as cobertas felpudas, ou os códigos trocados por nossos olhos treinados em acender vontades - Cinthia Kriemler Pode me chamar de demônia. Odeio ser contida. Quem sou? Um pouco de você, um pouco da minha mãe, das avós que me antecederam, das amigas. Um pouco até das inimigas. Um caldo de gemidos, vontades esmagadas, sonhos a posteriori, cuidados com a prole. Tenho olhos treinados em acender vontades como diz a amiga de ginásio. Não apenas de machos fogosos ou que tentam ser. Sou luzeiro de quem perdeu vontade, sou aquela que esquece de si para cuidar dos outros. A que posterga. A que adia. A que se deixa morrer. E a demônia? Onde vive a bicha ruim que me habita? Espreita sorrateira em qualquer desvio. Um suspiro derramado. Uma risada mais cínica. Um lampejo de desejo solto no ar. Leio. Leio menos que devia, mas ainda assim leio. Leio mulheres que gritam.