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Mostrando postagens de junho, 2018

Olhos treinados em acender vontades

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e não saberemos dizer qual foi o instante em que cessaram riso, abraço, murmúrio ou o toque das nossas mãos entre as cobertas felpudas, ou os códigos trocados por nossos olhos treinados em acender vontades - Cinthia Kriemler Pode me chamar de demônia. Odeio ser contida. Quem sou? Um pouco de você, um pouco da minha mãe, das avós que me antecederam, das amigas. Um pouco até das inimigas. Um caldo de gemidos, vontades esmagadas, sonhos a posteriori, cuidados com a prole. Tenho olhos treinados em acender vontades como diz a amiga de ginásio. Não apenas de machos fogosos ou que tentam ser. Sou luzeiro de quem perdeu vontade, sou aquela que esquece de si para cuidar dos outros. A que posterga. A que adia. A que se deixa morrer.  E a demônia? Onde vive a bicha ruim que me habita? Espreita sorrateira em qualquer desvio. Um suspiro derramado. Uma risada mais cínica. Um lampejo de desejo solto no ar. Leio. Leio menos que devia, mas ainda assim leio. Leio mulheres que gritam.

O Tri em Brasília e minhas lembranças das copas

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Uma praça cheia de gente em uma cidade do interior do Rio Grande do Sul. Um alto falante que gritou uma palavra que a menina de cinco anos entendeu como importante pela repercussão que teve em seu pai: era o Brasil ganhando a Copa de 1962. Interessante como a gente guarda na mente as coisas que impactaram nossos pais. Lembro exatamente onde estava quando ouvi no rádio a notícia da morte do Kennedy no ano seguinte e corri para contar para a minha mãe que eu sabia ser sua fã. Naqueles tempos era tudo interessante. Minha mãe curtia tanto o Kennedy como o Fidel. Parecia o tempo em que jovens iam conquistar o mundo, não importando a sua ideologia. Acho que era esse impulso de vida que chamava a atenção de minha mãe. Mas as Copas....  Futebol era presente até por aí. Meu pai já torcia pelo Grêmio, mas sem fanatismos. Mas lembro que na Copa seguinte, em 1966, o Brasil campeão foi cheio de pompas e expectativas. Foi a primeira recordação de propaganda maciça na TV que lembro.  Seria

Sem a metade da laranja no dia dos namorados?

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Cadê meu pedaço da laranja dá vontade de gritar a cada 12 de junho que se aproxima. Dia dos namorados sem namorado ou namorada é dose para gente com coragem. É anúncio, é alegria e amor estampada na cara da gente a cada rolar de páginas. Até cimento é apelo para se dar ao amor. Tem lógica, namoro concreto deve ser baseado em algo sólido. E para complicar inventaram de ter dois dias dos namorados por ano. Não contentes em importar bugigangas chinesas e o tal de ralouin,  trouxeram de Miami na mala o tal de dia da Valentina. Mas para ter mais charme, tem que revirar a boca e dizer Valentainez Day. E nós, os solitários por opção ou por omissão? Os que foram abandonados, os que abandonaram, os que encheram o saco, os que curtem estar sós, os que necessitam de algum tempo para se recuperar, para se encontrar, para viver? “Em que canto do corpo adverso devo ler minha verdade?” Roland Barthes A parceria é importante no aspecto biológico. Sem reprodução, babaus humanidade. Então d

A herança é feita de escolhas e sobrevivência

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A herança.  Em princípio herança significa o que de patrimônio vamos deixar para quem nos sucede. Acho que esse desejo de nutrir ou salvaguardar os descendentes acaba por explicar muitos dos sacrifícios que se faz em vida. Não todos. Mas muitos.  Se nos desobrigassem de guardar as moedinhas para as crias, sabe-se lá se não seríamos mais felizes? Talvez outras escolhas, outras formas de gastar a vida. Outras portas....  Escolher Há você Um espaço Para os passos E uma porta Não é por que É uma porta Que você tem que Abri-la Liberdade pode ser Antes da porta. Adriane Garcia Pensando nisso desde nos últimos tempos. Refletindo sobre a vida e a morte. Vou lhes dizer uma coisa, quando se faz seis décadas de vida e se entra na tal da idade onde já te tratam como idosa, também significa que os anos vividos já são maiores que a expectativa dos a viver. E por mais que a criança que existia em mim relutasse com essa ideia, a morte acaba por ser

A esposa

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Lá vem ele, com aquele seu jeito calhorda de ser, perturbar meu sono eterno. Mas nem aqui, nesse parque, esse homem me deixa em paz. Sorriu, ou foi a lembrança do ato que movia músculos e transpirava um sentimento, que perpassou por aquela mistura de ossos, carne mumificada e alma. Alma sim. Existia. Sorriu ao lembrar da jovem que tinha sido. Alegre, de olhar angelical, com uma ingênua vontade de viver. E ela realmente tinha se apaixonado por aquele rapaz de cabelos fartos e escuros. Até esqueceu um arrepio que sentia em certos olhares dele. Era tão trabalhador, diziam. Tão metódico, falavam. Bom partido, bom emprego, vai dar bom pai. Todos aprovaram. Ela também. No início até que foi bom. Brincaram de casinha, ele trazendo e ela arrumando. Ele era meio desajeitado para amar. Educação, talvez. Com o tempo quem sabe melhorasse, ela pensava moleca. Foi assim até a primeira menina sair gritando do seu ventre. Pela primeira vez se sentiu diferente. Ela tinha gerado uma vida. Mas

Busca em mim, de mim, em nós

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E então a vida deu uma guinada e nunca mais voltou aos trilhos. Tudo evaporou. O irracional transformou tudo. (Philip Roth - O Teatro de Sabbath) Olhou a notícia naquela rede social que todos reclamam mas continuam usando. Morte de uma conhecida da prima de uma amiga. Um quê de curiosidade nas palavras contidas no comunicado. De quê teria morrido???? Não descansou enquanto não descobriu. Percorreu os comentários, não contente com isso, foi atrás dos amigos, fotos e tudo o que pudesse descobrir da defunta. Tanto que se tornou quase íntima dela. Achou meio mórbido, mas não conseguia se conter. Ao invés do trabalho, a pesquisa. Se via digitando nomes no Google para saber mais. Para quê, se perguntava? Para saber, respondia. Desde quando se apossara dessa ansiedade de abarcar todos os conhecimentos? Não apenas aqueles necessários para tocar a vida, mas os supérfluos. #SQN como diziam por aí. Eram esses, aparentemente incoerentes e desnecessários, que compunham a imensa rede que u