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Mostrando postagens de abril, 2022

Mãos que tecem - quando bate a saudade

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Acordo ensolarada. A energia me invade de forma diferente, eu que tanto ando carente dela. Arrumo a cama com energia, troco os lençóis, espano as poeiras do descaso. Arrumo as almofadas. Meus dedos tocam a única diferente entre elas. Tecida por mãos que já não habitam este mundo. A saudade me bate forte. Lembro que hoje, 24 de abril, é o dia que ela nasceu no planeta Terra. Taurina. Teimosa. Perseverante. De personalidade forte mas terna. Toda cuidados. Mais com outros que com ela. Minha tia. Tão virginal como seu nome. Virginia . Lembro de sua energia que se tornava mais alegre quando ela convivia. Seus dedos ágeis faziam maravilhas com as agulhas. Linhas que se transformavam em colchas, toalhas, vestidos. Almofadas. Seus sorriso quando dava presentes. Gostava de se doar. Ou talvez fosse a forma que aprendeu de viver a vida, com os filhos que não teve, mas que ajudou a criar. Lembro da sua coragem de ser mulher só em uma época em que isso era um peso. Sempre independente, sempre solid

Posso morrer mas não quero

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Elucubrações sobre a morte, inspirada em Adília Lopes. Posso morrer hoje. Posso morrer agora. Não quero, mas posso. Qualquer um de nós pode. Um raio, um enfarto, um mal súbito. Sabe-se lá os desígnios da vida.  Posso e se. Posso morrer hoje sem ter feito tudo o que queria. Mas o que queria e fiz, me abastecem até hoje de memórias afetivas. Posso morrer porque me conheço de tantas formas. Fui corajosa e covarde. Continuo sendo. Fui generosa e egoísta. Mais generosa, fazendo as contas de modo correto. Visitei lugares que sonhava e tive aquela sensação de que aquele era um momento único. Visitei Atenas. Sofri abandonos, reais e imaginários. Escrevi achando que era um dom e percebi, três livros depois, que eram maneira de me comunicar com o mundo. Nem eram assim tão bons. Posso morrer porque aprendi a amar. Mas ainda não posso porque não esgotei do amor tudo que ele tem para me ensinar.  Posso morrer porque de mim há de ficar uma lembrança doce na memória de alguns. Os mais importantes. E

A finitude e a paixão

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... E o Senhor acrescentou: “Tenho visto como este povo é rebelde e obstinado. Portanto, agora vai-te, porque a minha ira se acenderá contra eles e destruí-los-ei. E de ti, Moisés, farei uma grande nação.... Destruí-los-ei. Que ira desse Deus que ainda assim falava em um português tão correto, devia ser um Ser muito porreta que levantava sua mão e raios de morte jorravam sobre aqueles que o desobedeciam, ou apenas não o amavam como ele imaginava que devia ser amado. Se encolhia nas aulas de catecismo do rígido colégio religioso onde escolhera estudar. As irmãs de caridade pareciam abutres em longas vestes pretas que as faziam mais deslizar que andar pelos longos corredores. Mas não. Eram mulheres normais. Ou quase. Nos dias que subia à clausura para ajudar na feitura das hóstias, sempre dava uma espiadela nos quartos. Uma vez que outra, flagrava uma delas trocando de roupas. Não fossem pelos cabelos curtos, seriam iguais às mães e tias. A mãe não, que essa vivia fazendo piadas e tinha

Se não houver amanhã

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Duas mulheres morreram incendiadas em um acidente. Quando eu vi a fumaça ao longe, não sabia que duas mulheres tinham sofrido um acidente e morrido, tentando combate-lo de dentro do carro, sem conseguir sair. Era apenas uma fumaça ao longe. Um estranhamento. Algo fora da rotina. Também vejo fumaças aqui e ali e são estranhamentos. Uns morrem tentando fugir de invasores. Outros morrem de doenças evitáveis. Muitos morrem por falta de dinheiro. Mas isso já é rotina nesse mundo cada dia mais estranho. Pessoas jogam bombas em outras pessoas em um metrô em uma metrópole enquanto os senhores da guerra tramam jogadas que vão encher de poder uns e enriquecer outros tantos que vão reconstruir o que foi destruído.  Enquanto isso morrem pessoas e sonhos. Crianças choram. Outros não conseguem deter o fogo de dentro de um carro. Ou de si mesmas. O mundo cada dia mais violente. O sol nasce como todo dia. Há enchentes e cataclismos. Mas também há pores do sol e namorados continuam a se apaixonar como

A aliança serrada

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A serra comia o ouro enquanto minha mãe dormia.  Aos 96 anos, seu dedo anular na mão direita a usava desde 1943. Quase oito décadas que essa argola, gravada com as iniciais H e P, fazia parte de sua vida. Poucas vezes saiu de seu dedo. Uma vez, ainda noiva, jogada longe com furor por uma briga com seu jovem noivo. Talvez tenha surgido ali, quando reataram,  o pacto que fizeram Helena e Paulo de a usarem sempre na mão direita. Para quem não sabe há uma convenção nas argolas de compromisso. Mão direita, namoro e noivado. Mão esquerda, casamento.  Usar a aliança é uma forma de mostrar o compromisso que fazem as pessoas. Segundo li, o uso no dedo anular vem de uma tradição ainda dos romanos. Eles acreditavam que ali passava uma veia, a amori s, que era conectada diretamente ao coração. Depois, com o avanço da ciência, se descobriu que todas as veias conduzem ao coração, mas o hábito já estava arraigado.  Meus pais se casaram em 1944. A Segunda Guerra tinha terminado na Europa, mas ainda co