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Mostrando postagens com o rótulo mulheres que escrevem

Bonequinha de lixo e qual é mesmo o papel da mulher?

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  "em que espelho ficou perdida a minha face?" Cecília Meireles "Quem és? Perguntei ao desejo. Respondeu: lava. Depois pó. Depois nada." Hilda Hilst Não a toa reuni uma série de leituras das décadas de 70/80 com o recente livro da escritora gaúcha Helena Terra. Mais tarde lhe digo o porquê. Bonequinha de lixo me enganou. Comecei a ler o livrinho com aquela malemolência que as frases, aparentemente leves, me indicavam ser uma leitura amena sobre o universo de uma menina com suas descobertas de mundo. Nada mais enganoso.  O livro é breve mas nada tem de superficial. Me senti como mergulhando em um jogo de relações (usando a expressão que Leonardo Boff usa para o universo) em que existe um crescente de percepções, vistos pelo olhar, ora inocente, ora irônico de uma guria que se percebe em um emaranhado de vivências, contradições e complexidades. Denso.  Um buraco negro que capta as nuances das relações que, não apenas envolvem a protagonista e sua família, mas enredam ...

Fui ver a Lua

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A Lua me fascina, eu que sou solar desde sempre. A ambiguidade entre a escuridão envolvente me carrega de viagens ao mistério. A poesia me envolve. Não é minha praia mais confortável, mas é nela que me encontro nos momentos mais intensos e é ela que me recarrega de energias de vida. A Eliana Ada me conquistou desde muito. Amiga dos tempos dos encontros de gateiras nos fotologs da vida, é dessas pessoas que ainda não conheço pessoalmente, mas que me mandou cartões a mão em plena era digital. É intensa e poeta. Militante e artesã. Amante dos animais e lutadora pelas causas sociais. Ambas amantes da lua. Nesse seu livro de poesias, encontro a vida através da Lua. São poemas de garra, são reflexões cotidianas, são pulsões de vida regidas pela dama prateada das noites e dias em que vivemos nossas vidas neste planeta terceiro que gira ao redor do sol.      Poesia para mim tem momento e ritual. Não é leitura de todo dia. E a cada vez que a leio, sinto de um jeito diferente. Tipo...

Nenhum espelho reflete seu rosto - indicação de livro

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Uma leitura inquietante. Não pela escrita que é absolutamente leve e de fácil leitura, mas pelo assunto que mexe com aquele sentimento mais caro à maioria dos seres humanos: confiança.  A história de Nenhum espelho reflete seu rosto , romance de Rosângela Vieira Rocha , passa em um ambiente muito conhecido de todos nós: as redes sociais e o seu aparente meio de facilitar conhecimentos. A protagonista é uma mulher madura, profissional criativa e realizada. Uma joalheira. Helen conhece um homem interessante em uma rede. Conversam escudados pela cumplicidade de uma tela que traz o desconhecido para dentro de nossas casas e nossa intimidade. E aí começa o drama. Na verdade, quando começamos a leitura, Helen se encontra já em processo de recuperação do que apenas vislumbramos, mas ainda não sabemos de todo. Sabemos que deixou marcas. Profundas marcas. A í se deu meu primeiro engate pessoal com a história. Dizem que um livro se faz do que o autor imagina e também do que o leitor ...

Tudo que morde pede socorro

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Ler Cinthia Kriemler é um ato ao mesmo tempo desafiante pela sua temática, mas também fascinante pelo envolvimento com que suas frases e palavras bem construídas vão nos enredando em uma armadilha de aprisionamento. Deleitoso aprisionamento.  A começar pelo título altamente instigante: tudo que morde pede socorro. Só ele nos leva a pensar muito no significado. As carências que geram violências, as rudezas que escondem chamamentos. A sina do ser humano de ser único e ao mesmo tempo gregário. E nem sempre saber lidar com isso com a devida tranquilidade. Tranquilidade não é o que se vai achar neste livro. Sua diagramação já nos mostra a ideia de grilhões que são arrebentados. Uma alforria que se conquista, nunca uma dádiva.  Quando recebo um livro, meu processo de leitura é altamente sensorial. Primeiro eu o namoro. Mentira, antes de tudo, eu sinto um prazer sensual pelo embrulho do correio. É como se o abrir fosse desnudando um ser, um reconhecimento que se...

Florbela Espanca e a reflexão sobre as versões

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Não me recordo quando Florbela Espanca entrou em minha vida. Tenho fases de ler poesia. São aquelas em que a minha sensibilidade anda mais a flor da pele, ou nas em que a prosa já não consegue me responder ou abrir os questionamentos necessários.  Um almoço literário me trouxe de volta a vida e a obra de Florbela. Passei os últimos dois dias imersa em pesquisas, vendo séries, documentários, lendo seus contos e poesias. Tentando entender um pouco mais dessa mulher tão diferente das demais do início do século XX em Portugal. Me surpreendendo com a sua precocidade ao escrever tão bem ainda garotinha. Com a sua procura por substâncias que a vida comum talvez nunca tenha conseguido lhe dar. Uma alma atormentada. Isso me passa sempre ao ler brevemente sua biografia. Da menina criada por duas mães. Uma biológica, que teve filhos com um homem casado, ainda hoje um tabu. Outra, madrinha, a esposa do pai, que foi talvez impulsionadora de voragens literárias. Da jovem que escrev...

Nu frontal com tarja - profilaxia poética

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Profilaxia vem do grego prophýlaxis e significa "cautela". É normalmente usada para definir precaução, o que se faz para evitar doenças. A poesia tem para mim esse significado. Não é nem a minha leitura habitual nem o meu campo de conforto ao escrever. Tenho tempos de ler e sentir poesia. São os tempos de me realinhar em harmonia, são os tempos de purgar incompreensões, são os tempos de não me deixar adoecer de inanição da alma. Ando nesses tempos. Tudo em mim pede uma linguagem que transcenda a prosa. Tudo em mim pede significados que vão além do real. Tudo em mim pede a consistência do soco que desperta, conjugado à suavidade do que toca a sensibilidade. Nesse tempo que o livro de Lúcia Santos, Nu Frontal com Tarja , me chegou às mãos. Presente de uma amiga poeta - Lindevania Martins . Da delicadeza da lembrança ao elo de mulheres que escrevem e se unem na colcha de retalhos das vozes femininas. Meu processo de ler poesia é em tudo diferente de ler...

Zona de Desconforto

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Mulheres que escrevem. Mulheres que escrevem bem. Mulheres que descrevem outras mulheres com um olhar certeiro, trazendo à tona personagens que são vivas em suas paixões e ações. Um livro de contos que pede mais. Alguns que te dão aquele querer ir além, mereciam um romance. Outros são um murro no peito de tão intensos. Procure qualquer coisa no livro de contos de Lindevania Martins, nunca conforto. " Se um escritor pode fazer as pessoas viverem, pode que não haja grandes personagens em sua obra, mas é possível que seu livro permaneça como um todo, como uma entidade, como um romance." Ernest Hemingway Comecei o primeiro conto com sofreguidão e não conseguia parar. Tinha ouvido a mesma história na noite anterior. Outro nome, outro estado, outra época, mesma menina querendo apenas ter o sonho de aprender, de ir além. Mesmo sonho podado sem ternura. Cortado na raiz por outra mulher. A sororidade dando espaço aos papéis aprendidos de servidão. Todas mulheres, umas anul...

Vox e o conto da aia - gritos e silêncios

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Se de repente uma onda retrógrada tomasse conta do país e limitasse a fala das mulheres a 100 palavras por dia? O excesso seria punido com dor. Talvez a dor da censura interna fosse até maior que a dor física dos contadores em forma de pulseira. Este o tema do romance distópico Vox que acabei de ler. Muito semelhante ao Conto da Aia , não tão bom quanto. Mas uma leitura rápida, não tão indigesta como o primeiro que me deixou realmente muito angustiada . Talvez já esteja mais calejada. A mensagem é a mesma: o horror acontece aos poucos, as pessoas que nada fazem seja por omissão, medo ou muito trabalho, acabam não apenas coniventes, mas também suas vítimas.  Das leituras necessárias, principalmente para os que perderam aulas de história e filosofia. Ao contrário do Conto da Aia, Vox tem claras referências aos tempos atuais e me pareceu ter sido escrito na esteira do sucesso do outro. Sucesso aliás que veio depois de quase três décadas do livro ter sido escrito. E por...

Todos os caminhos convidam e eu mergulhei

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Confesso a vocês que li algumas resenhas depois de ler de uma sentada só o primeiro romance de Cinthia Kriemler . Seu nome? Todos os abismos convidam para um mergulho. Já venho acompanhando a obra da Cinthia desde que a redescobri naquela rede social que a gente reencontra amigos de outras eras. A Cinthia pré adolescente que eu conhecera não só crescera como se tornara escritora. Ora vivas! Para uma leitora voraz como eu nada mais instigante. E não é que era das boas! Seus poemas e contos me tomavam de assalto, tinham ritmo não só das palavras e frases bem construídas, mas faziam a minha mente de arquiteta viajar pelos espaços que ela criara. Quando soube do seu primeiro romance tive que mergulhar. Pela primeira vez. Quando o livro chegou li em um dia e meio. E porque tive que parar para atender outras coisas. E já concordo com todas as resenhas que li: não é uma leitura cômoda. Mas é inebriante.  No começo fui tomada pela sensação que a contadora de contos (perdoem...