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Mostrando postagens de abril, 2019

Medo nosso de cada dia

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Acordei um pouco mais tarde que a hora habitual das madrugadas insones. 4:30. Em geral meu horário de abrir os olhos, ainda meio grudados de sono, é por volta das 3:30. A sincronicidade dos números me acompanha. Em vez de pegar um bom livro, um daqueles inúmeros que me olham convidativos e sarcásticos com a minha desculpa de falta de tempo, corri pelas redes sociais. Aquela dos textões familiares, a dos telegramas que lutam pelas hashtags fomentadas por robôs além mares. E mesmo aquela das imagens que agora é sucesso de vendas nesses tempos em que olhar rápido e sem conteúdo se faz cada vez mais necessário. Perdi exatamente umas duas horas nesse processo inútil que só fomentou a ansiedade que já existia em mim na hora em que fui dormir. Fechei os olhos novamente quando o sol já se anunciava no horizonte, em cores lindas, que quase me fez levantar para fotografar, como se a beleza não pudesse existir por si só, sem estar registrada para que todos vissem que ela realmente existe.

E se eu fosse o Cristiano?

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Dias de correria, sabem como são? Papéis sobre a mesa, um pensamento no projeto, outro no texto por fazer e mais um terceiro sobre as notícias em redes sociais. Toca o telefone. Um silêncio na linha. Depois, muito depois, soa uma voz metálica perguntando pausadamente: -Você é o Cristiano? (Leu isso rápido? Não, volta e lê pausadamente. Você....é....o....Cristiano? -Não, respondo rápida, sem pensar muito. A voz robótica torna a perguntar: -Você...conhece...o ...Cristiano? Um não ríspido e retorno ao trabalho. Seria uma interrupção momentânea se não se repetisse milhares de vezes no mês, nas horas mais inoportunas. No trabalho, no meio de uma série, naquele trecho do livro em que se esquece do mundo. Até na hora da meditação, agora apelidada de mindfullness para tornar mais palatável para pessoas que não podem perder tempo com essas bobagens de nova era. Nada que a ciência não possa comprovar com pesquisas e teorias pode ser sério! Na sexagésima nona vez que a máquina me p

Eulália - a bem amante

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Eulália servia doces não eram quaisquer doces eram ambrosias divinas daquelas de conto de fadas servidos em cálices bem pequenos Eu mesmo era pequena loira e calada Eulália, a bem falante era muda em seu cantar não recordo sua voz mas enxergo seu andar se movia docemente com a leveza dos pássaros parece que tinha um ar antigo dessas de histórias mágicas sua casa, perto da minha tinha tesouros que nunca esqueci abria sua caixa de pandora e me dava um por vez por mais que meus olhinhos gulosos pedissem mais um cálice  bem pequeno   puro cristal colorido todo talhado com arte dentro dele o mais divino manjar uma quantidade ínfima de doces de ovos nada mais que aquilo bastava para saciar fomes desejos anseios sonhos Eulália sentava elegante e devia conversar com minha mãe não lembro só pensava em degustar meus primeiros prazeres da gula Eulália, só fui descobrir seu nome de batismo muito tempo depois foi sempre Vó Lalica um nome em tudo apro

Ferrolho

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Quase daqui a pouco Hora do café Da janta Da cara lavada Da angústia entalada Hora de ligar a tv De olhar para você  De mimar o gato Hora de enxugar uma lágrima Fazer de conta que ri Brincar de sobreviver Mais um dia Mais um momento Apenas hoje Daqui a pouco Ia fazer de conta que a porta fora aberta, que pegara a mala e ganhara mundo. Ia imaginar que os segredos iam se dissolvendo, um a um, em cada passo que dava em direção à rua. Insegurança chamava. Não saber do amanhã, passar fome se fosse preciso, fome de revirar a barriga que a da alma já tinha morrido mesmo de inanição. Seu toc toc no corredor de mármore fazia ritmo com o tic tac do relógio da vizinha que marcava hora de iniciar a noite. Todo mundo chegava. Ela saia.  O cachorro latiu triste porque o dono demorava. A calopsita cantou mais alto exatamente pelo motivo contrário. Todos tinham dono. Tudo tinha dono. Nada era livre nessa vida. Parou o passo que ia apressado. Começou a pensar co

Miraflores

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Miraflores é uma cidade pequena, dessas onde o progresso só chega por notícias de jornal, mesmo assim muitas vezes atrasada. Mesmo a internet era de difícil acesso. Um lugar onde as pessoas nascem, vivem e morrem como seus pais, e antes deles, os avós e bisavós. As ruas são preguiçosas e vazias. Poucas lojas, a do seu Roberto, gordo e falante. A padaria do Seu Quincas, cheia de moscas no verão. As festas na Paróquia. Tudo convenientemente acertado para que não se tivesse surpresas. Poucas pessoas conseguiam sair dessa rotina que marcava suas vidas desde sempre. Uma delas era Arthur. Era sobre ele o obituário que Raquel lia e, para seu espanto, falava dela. Sua memória, ainda ágil para oitenta anos, fez um filme. Uma menina loira de olhar assustado. Adolescente tímida e crítica. A mulher que venceu desafios e lutou pela vida. A senhora que cuidou tanto dos outros, sempre pia. Olhou em volta, seus porta-retratos gritavam solidão. Eram ela e suas viagens. Ela e seus sobrinhos. El

A luz ao lado do buraco

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Uma mancha Novos ares Novos olhares Rastreio  Procuro Renasço Uma mancha Uma lavagem Formas Mensagens A vida continua Ontem foi um daqueles dias mágicos onde o pessimismo cedeu passagem a um novo folêgo de vida. (Embora o corretor teime em me dizer que folego perdeu o acento, eu teimo em achar que folêgo acentuado é mais dramático e me reservo ao direito de usar o chapeuzinho). A gente, eu especialmente que sou esponjinha de tão empática, acaba se desgastando mais do que devia ao conviver e ler tanta sandice pela vida. De tanto abrir mão dos sonhos e vivências para ser útil e querida, o turbilhão nos arrasta para aquele buraco negro que fotografaram ontem com tanta emoção. Sei que foi uma mulher quem fez a foto, e não poderia ser diferente, que mulher é foda e sempre descobre um jeito de comprovar o que só se sabia por teoria. E ao lado do buraco, tem luz. Tem luz ao redor do buraco. Tudo bem que o buraco está tragando a luz e levando para o esgoto ou para a liberd

80 tiros

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Mulheres sem nome - uma leitura interessante

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Fazia tempo que eu não pegava um livro grosso (495 páginas) e devorava em dois dias. Nas eras pré redes sociais era um hábito comum. Lembro de minha mãe me chamando com um "pára de ler, guria chata e vem conversar!". Éramos todos leitores vorazes, até ela, em uma casa onde este costume tão salutar sempre foi incentivado. O livro que me fez sentir essa volta aos velhos tempos é " Mulheres sem nome " de Martha Hall Kelly. Uma história verídica, de experiências "médicas" em um campo de concentração para mulheres na Alemanha dos horrores nazistas e dos esforços de uma mulher para descobrir e ajudar as chamadas cobaias (lapins ou coelhas pela forma saltitante como andavam depois das cirurgias a que eram submetidas), levou a autora a mergulhar na história que foi contada pelo olhar de três mulheres, duas delas reais e outra um somatório das cativas. Caroline, a americana rica, atriz e com uma profunda consciência social nos mostra um lado mais ameno, mas

Escolhas - o sentido da vida é em frente

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Desde que abrimos os olhos para o mundo, nossas vidas são determinadas por nossas escolhas. Respirar, chorar.  Levantar, cair, levantar de novo.  Entre tentativas e erros vamos crescendo. Alguns de nós com mais sorte, tem pais e famílias que apoiam e dão continente às tentativas de viver o mundo que fazemos desde crianças. Outros tem que aprender na marra. Uns ficam pelo caminho. Outros voam porque enfrentam o destino e fazem sua história acontecer. Nos tornamos adultos quando sabemos enfrentar as consequências de nossas opções. Uma vez a filha de uma amiga lhe disse: quando encontrar uma encruzilhada, escolhe o caminho que fizer seu coração vibrar. E esquece o outro. Faz sentido. Quantas vezes paramos a caminhada questionando: E se?? Se tivesse escolhido estudar História em vez de Arquitetura?  Se tivesse aceitado aquele namorado que parecia tão certo em época tão errada.  Se tivesse estudado fora? Se não tivesse tido medo

Ditadura não se comemora e tortura se repudia

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Sobre o tal vídeo do Planalto.  Eu tenho a idade do senhor que narra (bom ,talvez um pouco menos, vá lá). Tinha sete anos em 1964, morava em Novo Hamburgo. Lembro de meus pais comprando gêneros alimentícios pq diziam que ia haver algo e podia faltar alimentos. Eu lia a Reader Digest com suas matérias sobre como o Brasil se salvou a si mesmo, e contavam histórias escabrosas da perversa URSS e como as crianças denunciavam os pais. Um ano antes tinha morrido aquele presidente bonitão americano e tinha causado uma comoção lá em casa. Minha mãe era fã dele. Mas eles também tinham aplaudido os jovens cubanos que lutaram contra o tirano Batista que fez de Cuba o cassino dos EUA. Pena que virou comunista depois (eu tinha lido que tinha sido depois do embargo e que o Fidel tinha dito que o cachorro não olha a cor da coleira do dono que traz comida, mas também não me interessei mais pelo assunto.) Aprendi a chamar aquele movimento dos generais de revolução. Parece que o tal marechal, o do Ce