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Bailarina bamba

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  Tinha 5 anos e chorava.  Lágrimas silenciosas  guardadas no baú dos encantos/espantos.  Colos ora de apoio e carinho,  ora de brincadeiras safadas despertavam breus que deviam ficar adormecidos. Apenas expectava. Corria/se escondia achavam O mundo lugar de sol e trevas Andava feito bailarina bamba  no limiar de um abismo que teimava em se esconder. Bailarina/boneca/marionete Olhar profundo alma angustiada Sábia e silente Aprendia a se proteger se esconder Nunca mais a acharam Olhos cansados fecham  sem força.  Talvez a carga do mundo despencando  faça afinal a sua volta derrubando convicções/defesas armadas sem reservas.  A vontade?  Pairar flutuando na imponderabilidade das nuvens. Morar na nuvem à direita da nimbus. Tempo é hoje, o átimo, o instante, logo irá se dissolver. Isso diziam os antigos. Não acreditava. O tempo é agora. E é infinito.

O colinho

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  Tem aqueles dias em que a gente se sente como quem partiu ou morreu, a gente estancou de repente, ou foi o mundo inteiro que parou…ouço a música ressoando em mim, nem sabendo se lembro direito a letra ou ela se confunde com um sentimento de melancolia.  Nesses dias de tudo cinza em que nem a mais vibrante mentalidade otimista consegue vislumbrar um traço de energia, é bom se lembrar de coisas que nos fazem bem. Nos dêem amparo, uma sensação de colo. Quando fazia biodança, há muitos anos atrás, se chamava dar continente este afago de afeto que traz o outro e acolhe em seus braços. Sem nem me dar conta, ou talvez dando, eu me fiz continente nestes dias cinzentos que passei faz pouco.  Tinha um pote de feijão congelado no congelador. Feijão congelado dando continente e colo? Sim, porque do feijão, fiz uma sopa, do jeitinho que a mãe fazia quando eu era pequena. Nos dias frios de inverno, na casa lá de cima do morro onde morávamos em Novo Hamburgo, naquela época em que eu era chata para

Diário da enchente 2024

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Porto Alegre, dias de maio que nunca serão esquecidos  07/05/2024 Tempo bonito, aparentemente tudo melhor. #SQN. O nível do Guaíba se mantém estável em 5,28 desde ontem. Das estações de tratamento de água de Porto Alegre, apenas uma funcionando e mesmo assim com restrições. Casas de bombas sendo desligadas e a água invadindo bairros. O prefeito sendo avisado disso, depois, quando estava em uma coletiva de imprensa. Populações em pânico saindo de suas casas, muitos sem ter para onde ir já que o centro de triagem tambem estava sob risco de alagamento. As únicas poucas saídas da cidade lotadas de carros das pessoas que tem Casas de praia, indo para o litoral, seguindo recomendação do prefeito. Aqui, mesmo estando no alto, estamos a uma quadra da enchente e por isso a luz foi desligada preventivamente ontem pelas 15 horas. Uma sensação de desamparo, ainda bem que não estou só pq recolhi a Lourdes e família que tiveram a casa alagada em Canoas. Confesso que ontem foi um dia de balançar toda

Notas de açucena

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  Em algum lugar uma voz sussurra notas de açucena. É noite há um certo aroma de algodão nas ruas desertas da minha cidade. Ninguém mais faz barulho ao tocar o solo. As cadeiras da calçada se amontam como num tango trágico em locais escondidos, levadas pelas águas e pela esquecida tarefa de cuidar. Ninguém mais cuida. O tempo se perdeu. Perdemos todos Dentro de mim vozes do passado relembram tempos de fartura e sonhos. Quando se sonha é com colheitas e flores. Meus olhos quase se tornam de novo jovens como a lua que vejo na janela. A Lua ela mesma sempre igual/sempre diferente. Os pedacinhos de tantas eus se enovelam em dissonâncias harmônicas e revelam cicatrizes e pontas soltas. Eu me revolvo na cadência esquisita dos anos passados e me enxergo com tantas faces e redemoinhos que mal reconheço a eu de hoje. Não mais. Mas ainda. Tanto desvelo a resguardar. Tanta água vertendo de todo lado. Do céu, dos rios, das marés e dos olhos que brigam de luzir umidades e verdades. Seguiremos. Dese

O vaso chinês e as águas que subiam

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  O vaso chinês e as águas que subiam Olhou apreensiva os degraus da escada. A água subia rapidamente e, pelos cálculos da progressão, logo chegariam ao segundo andar da residência. Lembrou dos anos de trabalho e do sonho de construir uma casa segura, tão diferente da pequena casinha de madeira onde tinha começado sua vida de casada. Moravam em Canoas, bairro Rio Branco. Um bairro aparentemente seguro e longe de rios e açudes. Era zona baixa, mas o sistema de proteção de enchentes feito pela cidade após a grande enchente da década de 60 a mantinham protegida. Isso ela imaginava até esse dia.   Tinha vindo do interior e conseguido um trabalho de doméstica na capital. Seu marido tinha quase a mesma trajetória. Jovens que abandonavam a vida sofrida no interior do Rio Grande do Sul para tentar a vida em Porto Alegre. Tinham sido anos de muito trabalho mas haviam conseguido reunir um patrimônio que os deixava em segurança agora que já estavam aposentados. Idosos? Sim, pela nomenclatura ofic

Entre o Silêncio e a Multidão

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  “ de quem é o olhar que espreita por meus olhos?” Fernando Pessoa – A múmia O amor precisa para viver de emoção diz a música que escuto. Em tempos de vivência sozinha literal, preciso de sons que me liguem ao mundo para que não voe na imensidão das viagens internas. Dizem por aí que a gente ronda o que mais teme. Nunca gostei do morar só. O abrir a porta e não ter ninguém com quem falar. O guardar as emoções ou angústias dentro de mim. Ou até os fatos que leio e vivencio. Temo que vá me tornar aquela velhinha que entope os ouvidos alheios quando acha um disposta a ouvir. Temo várias coisas. A principal delas é desconhecer quem é este meu olhar da maturidade. Essa eu que encara certezas antigas como supérfluas, mas que ainda tem saudades daquela menina que gritava opiniões com a convicção dos temerários. Essa eu de hoje é muito mais calada embora mais falante. É menos convicta, embora externe mais palavras. Talvez isso seja a maturidade enfim. E não apenas os cabelos grisalhos

Passageira

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Acordou angústias. Seus olhos subitamente abriram. Assustada percebeu que era mais tarde que o usual. Maldita insônia, pensou. Faz com que o sono aconteça de forma parcelada. Umas tantas horas logo que adormecia. Outras tantas de olhos abertos no meio da noite. E enfim, um sono tumultuado, nunca descanso. Levantou sustos apressados. Tinha um horário agendado. Mentalmente fez as contas: tempo de preparo do café, tomada da refeição, exercícios diárias. Um tempo para pensar, abrir a casa, sentir saudades, reconhecer que enfim estava vivendo o que sempre temeu: viver só. Sentou cabeça oca. Criatividade antes tão amiga que saltava em tudo o que pensava, andava escassa. Tudo parecia sem necessidades de expor. Como se enfim a vida fizesse sentido por estar vivendo. Algo que sempre considerou sem emoção. Ou sentido. A hora marcada a chamou de supetão. Não tinha tempo para devaneios. Não estava tendo este tempo fazia muitos meses. Ou anos. Ou séculos. Que os tempos faziam uma dança de estranham