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Mostrando postagens de abril, 2018

A salvação

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Se tinha uma coisa que a deixava mal era a completa e absoluta falta de perspectivas. Ela, nascida solar, otimista desde sempre, quando encontrava todas as portas fechadas se via em papos de aranha. Porta e janelas. E sem nenhum subterfúgio. Nem uma abertura de alma, nem nos sonhos. Talvez na lua. Papos de aranha...o que será que queriam dizer com isso?  Ah! Nem tudo falhara. Sobrara algo: a curiosidade.  Fazia parte da curiosidade encontrar uma forma de se dissolver nas espumas da vida. Morrer era palavra muito forte. Se matar então, era palavrão. Dissolver era poético.  Era como bailarina que se despede do palco, vai fazendo piruetas, em ponta. Pé por pé saindo de cena, magistral. E dramática. Drama. Embora gostasse de brincar com a palavra, suas formas de se dissolver não percorriam caminhos majestáticos. Era pragmática em sua imaginação de dar adeus ao plano da matéria.  Voar pelas janelas parecia fácil e até bonito. Mas tinha medo de altura. Tinha mais medo de altura que de morrer

Ela pássaro

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Sonhou que era um pássaro. Naquele dia tudo foi da maneira que sempre foi. Só que não. Acordou sem pressa. Bocejou profundamente e se espreguiçou feito gata manhosa. Fez o café cheiroso. Até a pitada de canela colocou no pó para dar aquele sabor especial de coisa amada. O jornal deixou de lado porque já sabia as notícias que traria. E não eram as que esperava ler. Não mais. Não mais a tranquilidade. Não mais o tempo correndo suave feito chuva no milharal. Agora tudo era corrido. Agora tudo era dolorido. Os ponteiros pareciam correr, doidos. E giravam para trás numa velocidade estonteante. Décadas se passaram com sofreguidão. O tempo voltou. E ela sonhando que era pássaro. Desses que podiam voar. Voo de sonho doido. Voo de volúpia de vida. E o tempo voltando. E ela sonhando. Dentro dela, milhares de synapses se esfacelando. As asas soltando uma a uma as penas dolorosamente esculpidas. Era Ícaro. Chegou muito perto do sol. Foi der

O Beijo

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Quando nasci era projeto de gente.  Era sonho de casal.  Era pedido de irmão. Era união de óvulo e espermatozoide feito gente. Devo ter chorado.  Mas foi quando te conheci que realmente desci do útero. Foi teu beijo que me fez andar. Foi teu olhar que me despertou. Foi teu amor que me fez melhor. Abri os olhos e sentei na cama.  Rápido como fazia toda manhã.  E sentindo a mesma tontura que sentia e que revelava que já não tinha a mesma juventude de antes. Abri os olhos.  Tinha fome mas antes tinha que passar no banheiro.  Mas antes ainda pensei em ti. Acordo pensando em ti. Décadas de desejo.  Pela mesma pessoa. O segredo? Sei lá. Deve ser dádiva da vida.  Encontrar a pessoa certa para a gente. Não a que pensa igual.  Não a que traz só tranquilidade. Mas aquela que encaixa.  Aquela que traz para fora o melhor da gente. Acordei apaixonada. De novo e mais uma vez. Lembrei do beijo da despedida.  Não era o mais apaixonado.  Mas era o mais companheiro.  Dos beijos beijados na vida, era o

O Brasil não é um país sério, então comam brioches

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Sempre gostei de história. Uma das minhas diversões era pesquisar a realidade depois de ver um filme ou ler um livro. Cedo aprendi que tanto a literatura como as artes visuais se valem de recursos dramáticos para contar a História. Os heróis nem sempre eram belos e valentes. Os fatos nem sempre seguiam a ordem cronológica exata. Mais ou menos como esses filmes que passam na cidade da gente e onde as paisagens mais icônicas aparecem como sendo próximas, quando na realidade nem sempre o são. Liberdades do artista. Sou do tempo em que havia diferença entre estória e história.  Empregava-se a forma estória quando a intenção era se referir às narrativas populares ou tradicionais não verdadeiras, ou seja, ficcionais. Já a palavra história  era utilizada em outro contexto, quando a intenção era se referir à História como ciência, ou seja, a h istória factual, baseada em acontecimentos reais. ( Fonte ) Parece que nem se usa mais esta diferenciação semântica, virou anacronismo. Na verdade