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Mostrando postagens de março, 2019

Nu frontal com tarja - profilaxia poética

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Profilaxia vem do grego prophýlaxis e significa "cautela". É normalmente usada para definir precaução, o que se faz para evitar doenças. A poesia tem para mim esse significado. Não é nem a minha leitura habitual nem o meu campo de conforto ao escrever. Tenho tempos de ler e sentir poesia. São os tempos de me realinhar em harmonia, são os tempos de purgar incompreensões, são os tempos de não me deixar adoecer de inanição da alma. Ando nesses tempos. Tudo em mim pede uma linguagem que transcenda a prosa. Tudo em mim pede significados que vão além do real. Tudo em mim pede a consistência do soco que desperta, conjugado à suavidade do que toca a sensibilidade. Nesse tempo que o livro de Lúcia Santos, Nu Frontal com Tarja , me chegou às mãos. Presente de uma amiga poeta - Lindevania Martins . Da delicadeza da lembrança ao elo de mulheres que escrevem e se unem na colcha de retalhos das vozes femininas. Meu processo de ler poesia é em tudo diferente de ler

Vendo o diferente no cotidiano : Céus de Porto Alegre

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Fotografar as mesmas paisagens ano a ano. E sempre me encantar com a diferença. Erra quem pensa que a vida é feita apenas de grandes voos.  As descobertas cotidianas podem significar tanto quanto. O que realmente importa é a nossa capacidade de ver o diferente no usual. Parece banal.  Coisa mais clichê que uma janela aberta e um olhar solitário que vê o mundo entre paredes sempre tão iguais. Em um mundo de grandes orgasmos, onde todos são maiorais, onde galgam posições cada dia mais espetaculosas. Onde postam fotos com filtros que fazem tudo tão mais bonito. Como achar graça nesse mundo tão diverso no mesmo roteiro? Como não se sentir fracassado ao ver o mesmo enquadramento? Como manter a pureza de perceber as nuances do espetáculo que acontece bem perto enquanto se faz de conta ser feliz nas inúmeras redes sociais onde somos amigos de tantos. E ao mesmo tempo de ninguém. O sol me brinda todo dia com um novo espetáculo. Traz "cores de Almodóvar" em

O xadrez dos peões e reis

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  Nunca aprendi a jogar xadrez. Meu pai sabia. Tinha um tabuleiro com peças de madeira, fortes, lindas. Bem torneadas. Minha mãe e ele jogavam. Foi o que ouvi falar. Deve ter sido antes do meu nascimento. Meu pai me ensinou várias coisas. Acho que até tentou me ensinar a jogar xadrez, mas sem muito entusiasmo. Culpa de um sonho que ele teve e sempre contava, entre um tom de piada e de susto. No sonho ele jogava em um imenso tabuleiro, ao ar livre. Mas o grotesco é que uma das peças era minha irmã, sua filha, que era pequena na época do sonho.  Entendo o medo/fascínio que o jogo devia exercer sobre ele. O xadrez não é para os fracos. Há que não apenas se antever várias jogadas, como entender o oponente. Saber antecipar as estratégias do outro muito antes das jogadas.  O tamanho do raciocínio e cuidados que isso exige é imenso. Pelo menos para quem joga com respeito a si mesmo e ao adversário. Não é jogo para blefes, mas pode ser jogo para ousados que não seguem regras.

Sete notas dissonantes

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Eram sete notas dissonantes Naquele castelo de magias Uma sabia a águas Águas mansas que corriam Também redemoinhos Arrastando grilhões A segunda parecia abraço Vó embalando canção Mãe cuidando ferida Amor depois da paixão A outra lembrava fogo Brincadeira de criança Mansidão de ver chamas Calor de multidão A quarta nota diferente Estranhava pela ausência Uma coisa de urgência Aquele aperto sentido Mais vazio que presença A quinta era nuvem no céu Fumacinha de aniversário Era aquilo que fica Depois que tudo evapora A sexta era concreta Feita de aço e coragem Tinha o dom das decisões Daqueles que tomam peito Era dos práticos a nota A última era impronunciável Não tinha forma nem definição Talvez fosse o que se chama Pura intuição Sete notas dissonantes No castelo de magias Formavam uma corrente Na vida que fulgia

Nós mulheres

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Das vezes que abriu os olhos Janelas, sol, gritos Noites insones Mentiras ganhando vida Trabalho Suava e sentia Chorava escondida Como se fizesse diferença Chorar na frente de alguém Como se fosse feita de pedra Não vento e ar Num suspiro tudo mudava O cenário abria e fechava Deixava de ser Maria Virava Anabela Outras roupas no mesmo corpo Sangrava Lua uterina todo mês Era sina Era herança Era coisa de tantas outras Joanas, Luizas e Paolas Umas sem nome Rotas perdoadas Em cruzes perdidas Outras mais felizes Viraram livro na memória Barriga crescia Nova cria Novo suspiro Teresas e Helenas Fios em espera Cios labaredas Das vezes que abriu os olhos Ávida vida a vida Lambe margens Entrega voragens Virago Desfiladeiro Moira me habita Nos habita Nos mora Nós moira Nós mulheres

Zona de Desconforto

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Mulheres que escrevem. Mulheres que escrevem bem. Mulheres que descrevem outras mulheres com um olhar certeiro, trazendo à tona personagens que são vivas em suas paixões e ações. Um livro de contos que pede mais. Alguns que te dão aquele querer ir além, mereciam um romance. Outros são um murro no peito de tão intensos. Procure qualquer coisa no livro de contos de Lindevania Martins, nunca conforto. " Se um escritor pode fazer as pessoas viverem, pode que não haja grandes personagens em sua obra, mas é possível que seu livro permaneça como um todo, como uma entidade, como um romance." Ernest Hemingway Comecei o primeiro conto com sofreguidão e não conseguia parar. Tinha ouvido a mesma história na noite anterior. Outro nome, outro estado, outra época, mesma menina querendo apenas ter o sonho de aprender, de ir além. Mesmo sonho podado sem ternura. Cortado na raiz por outra mulher. A sororidade dando espaço aos papéis aprendidos de servidão. Todas mulheres, umas anul

Quando a vida vem de roldão

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Quando a vida vem de roldão  Traz memórias de outras eras Sigo rumos já traçados Sofro angústias tão batidas Quando a vida me vem de roldão Bato cabeça Nas paredes tortas Respiro águas passadas Aperto histórias vencidas Cabelos, cheiros, cores Tudo amalgamado tão igual tão diferente Ainda bem que a roda passa sorrisos voltam tão diferentes tão pungentes tão sem sentido Tão pouco Clarice No rolar das páginas me dizia o velho mestre de obras as histórias se refazem Sabedoria que invejava Simplicidade de ter respostas Eu nunca Eu só perguntas

Aprimorando a escrita

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Seguidamente vejo postagens em listas de arquitetura de pessoas que desenham plantas, seja em desenho manual, seja em programas cad e perguntam todos faceiros o que achamos do seu "projeto". Parece falta de humildade ou até soberba tentar explicar que um projeto arquitetônico não se faz com desenhos, por melhores que sejam. Há muito mais conteúdo, trabalho, respeito à condicionantes legais, simbólicos, estruturais que fazem do afazer arquitetônico algo mais que simples linhas.  Lembrei dessa imagem ao fazer um curso on-line sobre escrita literária. Eu sempre gostei de escrever , e até achei que o fazia bem, até estudar um pouquinho a mais sobre o afazer literário. Santa ignorância!  Ler bastante sempre foi meu maior contato com a literatura. Nunca me aprofundei em técnicas e planejamento sobre o que escrevia. Sou tão indisciplinada que não reviso nada que publico. Abuso de clichês, uso reticências como ênfase com total exagero. Dispenso verbos como estilo próprio