A boneca que espreguiçava
Estes tempos tive que escolher um objeto para relembrar a infância. Aos 65 anos, depois de várias mudanças de casas, cidades e até de estados, é difícil ter comigo objetos daqueles tempos. Mas tem uma que guardo. E levo onde for. Uma boneca que espreguiçava. Não é uma boneca de brincar. Aquelas eu demoli, cortando cabelos, pintando, dando injeções com canetas tinteiro. As que sobreviveram às artes infantis, foram doadas às sobrinhas e a quem as precisasse mais que eu. Menos a boneca que espreguiçava. Parecia uma bebê de verdade. O corpo molinho de fazenda, onde se encaixava o aparelho de corda que lhe dava um doce movimento, enquanto tocava uma canção de ninar. A gente girava a manivela e ela espreguiçava. Era pequena, com cabelos castanhos bem curtos, olhinhos miúdos e um ar de sorriso de criança satisfeita. Um vestidinho azul, com rendinhas, a tornava ainda mais delicada. Nunca teve nome. Era a boneca que espreguiçava. O que a tornava tão especial para mim? A minha vó. A minha ...