Todos os dias as ideias me assomam. Tomam conta, se ramificam. Em seguida partem. Penso que descrever a lenta contagem dos minutos que restam de vida parece comiseração sem importância. A velhice chega para quase muitos. Nem tantos, é verdade. Para os chegam, traz declínio e exclusão.
Uma vez li que a memória vai se indo porque a realidade do presente já não é tão bela como a do passado. Qual o valor de lembrar um tempo de dependência e falta de autonomia? Melhor lembrar o vigor, a infância, a segurança e a certeza do para sempre. Conviver com a decrepitude que vem inexoravelmente não é bonito. É necessário. A outra alternativa é altamente angustiante. Melhor aguentar cabelos brancos, pernas moles e falta de dentes.
A reclusão. A exclusão.
FOMO: Fear of missing out, ou seja, o medo de ficar de fora da festa, de ficar para trás e de perder a oportunidade (fonte)
Li hoje em um texto sobre o metaverso na venda de imóveis. Dizem que é uma palavrinha do vocabulário de quem vive no mundo dos negócios. Fomo(s) já parte da festa. Hoje quase não mais. Tudo bem que uma parte do mercado vive dos idosos e por isso nos taxam de melhor idade. (Como já estou no 65 já faço parte desse nicho). Melhor idade é 15 anos. Vigor, beleza, gravidade e nenhuma responsabilidade. Nem para todos é verdade. Há quem já nasça com a marca de exclusão taxada na cara. São tantas exclusões em nosso mundo que uma pequena minoria nasce privilegiada. Vem de uma gestação acompanhada, com pais que receberam alimentação, atenção e amor.
Era para ser uma reflexão sobre a idade. Virou uma reflexão sobre ser humano. O que nos difere como espécie? Somos tão predadores quanto muitos animais. Uma diferença: muitos deles matam para comer. Nós para nos livrar de incômodos.
O que nos incomoda? O que fazemos para consertar o que nos incomoda? Meu avô morreu por um ideal. Meu outro avô estudou, foi ser médico nos grotões para salvar vidas. Minhas avós sufocaram sonhos para criar filhos e sobreviver. Meus pais lutaram para nos dar educação e valores éticos. E olhos de brilhar com estrelas e sonhos de justiça.
Olho meus traumas pessoais, tão grandes e intransponíveis às vezes para mim. Tão pequenos perto das dores do mundo. De quem passa fome. De quem não tem teto e chora de desespero em um muro da cidade, sem que as pessoas parem e se achem com coragem de dar um ombro. Seres humanos cada vez mais afastados por diferenças somos. Bradamos acreditar em deuses, alguns que foram torturados e mortos, cuja figura ensanguentada na cruz nos faz ajoelhar e orar. Ou rezar. E fechar templos para que os sem nada não possam invadir para ter um teto para dormir. Um Deus que falou de amor e perdão. E crentes que bradam armas e vingança. Cada qual com seus valores e suas crenças. O que será que os incomoda? A fome do irmão? A sede da criança? A falta de humanidade e generosidade das almas? A guerra, a miséria. A fome. A fome. A fome.
Fome não é o ronco na barriga quando você faz dieta ou pula uma refeição. Li isso uma vez. Fome é ausência de tudo. Ausência de esperança. Ausência de perspectiva. Ausência de solidariedade.
FOMO: é não fazer parte da festa. E tem festa tão podre que nem dá vontade mesmo de fazer parte. Tem gente racista que diz que não é, tem gente cheia de preconceitos que nem se importa mais de expor. Tem muita festa apodrecida que alardeia valores que nem são praticados.
Haverá luz no fim de um túnel que parece nunca ter fim? Não sei. O buraco está erodindo e nós com ele.
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