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Mostrando postagens de maio, 2024

Notas de açucena

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  Em algum lugar uma voz sussurra notas de açucena. É noite há um certo aroma de algodão nas ruas desertas da minha cidade. Ninguém mais faz barulho ao tocar o solo. As cadeiras da calçada se amontam como num tango trágico em locais escondidos, levadas pelas águas e pela esquecida tarefa de cuidar. Ninguém mais cuida. O tempo se perdeu. Perdemos todos Dentro de mim vozes do passado relembram tempos de fartura e sonhos. Quando se sonha é com colheitas e flores. Meus olhos quase se tornam de novo jovens como a lua que vejo na janela. A Lua ela mesma sempre igual/sempre diferente. Os pedacinhos de tantas eus se enovelam em dissonâncias harmônicas e revelam cicatrizes e pontas soltas. Eu me revolvo na cadência esquisita dos anos passados e me enxergo com tantas faces e redemoinhos que mal reconheço a eu de hoje. Não mais. Mas ainda. Tanto desvelo a resguardar. Tanta água vertendo de todo lado. Do céu, dos rios, das marés e dos olhos que brigam de luzir umidades e verdades. Seguiremos. ...

O vaso chinês e as águas que subiam

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  O vaso chinês e as águas que subiam Olhou apreensiva os degraus da escada. A água subia rapidamente e, pelos cálculos da progressão, logo chegariam ao segundo andar da residência. Lembrou dos anos de trabalho e do sonho de construir uma casa segura, tão diferente da pequena casinha de madeira onde tinha começado sua vida de casada. Moravam em Canoas, bairro Rio Branco. Um bairro aparentemente seguro e longe de rios e açudes. Era zona baixa, mas o sistema de proteção de enchentes feito pela cidade após a grande enchente da década de 60 a mantinham protegida. Isso ela imaginava até esse dia.   Tinha vindo do interior e conseguido um trabalho de doméstica na capital. Seu marido tinha quase a mesma trajetória. Jovens que abandonavam a vida sofrida no interior do Rio Grande do Sul para tentar a vida em Porto Alegre. Tinham sido anos de muito trabalho mas haviam conseguido reunir um patrimônio que os deixava em segurança agora que já estavam aposentados. Idosos? Sim, pela nom...