Repensando o que aprendemos sobre ser idoso

 

Um amigo compartilhou comigo esta postagem em uma rede social que mostrava uma campanha que redesenha o símbolo das vagas para idosos. Sabe aquelas que antigamente mostravam a clássica figura curvada, de bengala? E que hoje já mostram um 60+? Pois a campanha foi além e mostra pessoas cheias de vitalidade em diversas atividades. O objetivo era simples: provocar reflexão sobre o envelhecimento. Mas bastou abrir os comentários para perceber o tamanho do nó que ainda existe quando o assunto é envelhecer.


Entre os comentários, dois pontos de vista chamaram minha atenção. Um, mais raro, onde uma usuária dizia: “Estar ativo não elimina limitações. As vagas preferenciais são reconhecimento da vivência, não prêmio por fragilidade. Mostrar idosos ativos valoriza a vitalidade sem deslegitimar direitos”. E outros, que simbolizava a maioria, retrucava: “A vaga é por dificuldade de mobilidade. Não é prêmio por vivência.” 

Parece um detalhe pequeno, mas é, de certa maneira, um retrato de como a sociedade brasileira talvez pense o envelhecer: pela ótica da compensação. Se há limitação, há direito. Se há vitalidade, há suspeita.

Ambos os comentários revelam armadilhas que carregamos sem perceber. A primeira é a confusão entre o que a lei diz e o que a prática consagra. Na rua, as vagas e filas preferenciais são pensadas para facilitar o acesso de quem tem mobilidade reduzida. Isso é fato. Mas o fundamento desta lei é bem mais profundo: não se trata de um benefício por incapacidade, mas de reconhecimento por dignidade e contribuição social. É o espírito da norma que se perdeu. Mais ou menos como membro VIP de um clube. Ninguém fica questionando se áreas especiais devem ficar para pessoas por algum favor. E sim, percebem que elas merecem por A ou B motivos. Pois então, viver muito é um privilégio de quem chegou a uma idade mais avançada. Logo, a sociedade reconhece essa trajetória. Ou deveria. 

A segunda armadilha é o mito da fragilidade. Quando transformamos a velhice em sinônimo de declínio, criamos uma hierarquia invisível. O idoso “ativo” é visto como exceção e cobrado por não precisar de ajuda, enquanto o idoso “frágil” é infantilizado, tratado com pena. Nessa lógica, ninguém ganha. O direito deixa de ser coletivo e passa a depender da comprovação individual da limitação.

Por trás desse raciocínio está uma crença: a de que o valor de uma pessoa está na sua produtividade. Quem produz, vale. Quem não produz, perde lugar. E é essa ideia que deveria ser revista

O Estatuto do Idoso e a Constituição falam de dignidade, de participação, de valorização da experiência. Nenhum deles exige que se prove cansaço para merecer respeito. Mas na prática, transformamos o envelhecimento em uma equação de merecimento. Ou seja, só tem direito quem aparenta precisar. Só merece prioridade quem parece frágil.

Essa distorção é bem perigosa. Porque quando associamos direitos a “deficiência” ou “dificuldade”, apagamos a dimensão simbólica e social da velhice. Enfraquecemos a ideia de que o envelhecer é parte da vida. E não é, absolutamente, um desvio que precisa ser compensado.

Envelhecer é natural. O que não é natural é continuar tratando o envelhecimento como problema.

Os direitos das pessoas idosas não são favores. São pactos civilizatórios, são formas de reconhecer que quem veio antes ajudou a construir o chão em todos que pisam. Mas muitos esquecem disso porque confundem justiça com uniformidade. Acham que dar a cada um o que precisa é “privilégio”. E assim, transformam igualdade com bom senso em controvérsia.

Talvez o que essa pequena reflexão nos mostre é o quanto ainda precisamos desaprender o que nos ensinaram sobre o tempo. Não há idade certa para merecer respeito. Não há aparência que determine valor. Não há vitalidade que anule a dignidade.

A vaga preferencial não é um prêmio. O transporte gratuito não é gentileza. Os direitos não nascem da fragilidade, mas da dignidade.
Mas insistimos em ler a velhice como exceção. Celebramos o idoso que trabalha, corre, dança, viaja e o chamamos de exemplo. Como se fosse extraordinário continuar vivo, ativo e inteiro depois dos sessenta.

Essa visão é injusta. Porque parte da ideia de que o valor de uma vida está em manter-se produtiva, eficiente, jovem. E tudo o que escapa desse padrão é visto como peso.

O idadismo também é isso: o medo de encarar o próprio futuro. Aprendemos a imaginar o velho curvado, dependente, silencioso. Ele nos conforta. Ele confirma que ainda estamos do lado “certo” da linha. Mas o envelhecer que dança, cria, decide, ainda assusta , porque talvez desmonte a ficção de que juventude é sinônimo de poder.

Está na hora de desfazer essa imagem. Envelhecer não é um desvio, é continuidade. Não é o fim da utilidade, é a ampliação da existência.
E quem já chegou lá não precisa provar nada. 

O respeito não é um presente. É a base mínima de uma sociedade que se pretende humana. E humana, de verdade, é aquela que reconhece o valor de cada tempo da vida, não por caridade, mas por justiça.

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