Bonequinha de lixo e qual é mesmo o papel da mulher?
"em que espelho ficou perdida a minha face?"
Cecília Meireles
"Quem és? Perguntei ao desejo.
Respondeu: lava. Depois pó. Depois nada."
Hilda Hilst
Não a toa reuni uma série de leituras das décadas de 70/80 com o recente livro da escritora gaúcha Helena Terra. Mais tarde lhe digo o porquê.
Bonequinha de lixo me enganou. Comecei a ler o livrinho com aquela malemolência que as frases, aparentemente leves, me indicavam ser uma leitura amena sobre o universo de uma menina com suas descobertas de mundo.
Nada mais enganoso.
O livro é breve mas nada tem de superficial. Me senti como mergulhando em um jogo de relações (usando a expressão que Leonardo Boff usa para o universo) em que existe um crescente de percepções, vistos pelo olhar, ora inocente, ora irônico de uma guria que se percebe em um emaranhado de vivências, contradições e complexidades.
Denso.
Um buraco negro que capta as nuances das relações que, não apenas envolvem a protagonista e sua família, mas enredam uns aos outros, em suas incongruências e afetos. Porque um não independe do outro. E justamente aí que muitas vezes reside um perigo que ronda o universo feminino.
Algumas décadas desde o tempo em que mergulhei nas descobertas e conquistas femininas e feministas não mudaram, na essência, muitas das violências silenciosas que rondam o aprender a ser mulher.
Clara, não a toa esse nome, indicando luz em sua percepção quase empática das mulheres e homens ao seu redor, vai fazendo sua rota de crescimento através do reconhecimento. E mesmo assim não a impede de ser quase um buraco negro que tudo capta e tudo atrai.
Helena Terra traça sua história, nossas histórias, histórias de Claras, Anas, anônimas ou conhecidas, mulheres que ainda somos densas e atraímos complexidades e iniquidades como se fossemos talhadas para este papel desde sempre, desde o berço, desde o vestidinho rosa e o se portar bem como toda menininha faz.
Ou deve fazer.
Tão lindamente elegantes e tão absurdamente potentes.
Tão cheias de potenciais e tão carentes.
Tão aparentemente leves e tão complexas.
Terminei a leitura precisando respirar fundo. E repensar mais.
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