Vivenciando e processando o Luto e a Mudança
Sempre gostei de ter diários. Tenho comigo os da juventude, cadernos bem elaborados, cheios de desenhos e recortes. E sentimentos ingênuos de todo adolescente que se descobre navegando na vida. Retomei o hábito de escrita diária desde 2023, agora em forma digital. Foi depois de ler o livro O Caminho do Artista, em um clube do livro que participo.
Escrevo como catarse e, em geral, não releio. É como se fosse um depoimento guardado para que, quem sabe, um dia eu retome. Ou simplesmente uma conversa interna que se exprime melhor em palavras. Mas este ano enfrentei batalhas imensas. Janeiro começou com a partida da mãe, aos 98 anos, depois de dois anos acamada e com um Alzheimer se adiantando. Sempre fomos companheiras de vida. Após o falecimento do pai, ainda mais. Os cuidados intensos com os dois me fizeram ter escolhas de vida que não eram sempre as que refletiam quem eu era. Na verdade eu diria que eu nem sabia mais quem eu era quando, me deparei com uma liberdade que não tinha desde muito. Liberdade para voltar a me conhecer. Quem eu era afinal? Como enfrentei estes processos de luto e mudanças na vida?
Aí entrou um auxiliar para este rescaldo do ano de 2024. Uma característica minha sempre foi ser curiosa. E pesquisadora. Neste afã de descobrir caminhos das novas ferramentas de Inteligência Artificial estou testando o Notebook LM. É fascinante como ele consegue resumir e condensar arquivos que a gente sobe para a plataforma. Obvio que subi meu arquivo Diário 2024. E vou analisar o como foi vivenciado meus processos de encarar o luto e as mudanças.
Escrita como Catarse: Meio que obvio. Mas sempre uma maneira pessoal de enfrentar e entender o que me acontece. Desabafar em forma de prosa, poesia e até xingamentos me faz mais leve. Escrever sobre o que vivenciei, o como vivenciei, lembranças, saudades e reflexões sobre a vida e a morte, tudo de maneira livre e cem censura, me ajudaram a enfrentar estes momentos difíceis. Além disso, havia o lançamento de um livro que tinha participado com um coletivo de profissionais. Participar dos encontros, lançamentos e debates do Metamorfose da Vida fez com que eu saísse do meu casulo e encontrasse mais que companhias. Encontrei amizades e exemplos de vida e superação.
Autoconhecimento e Aceitação: Não tinha me apercebido que, neste processo de autoconhecimento e aceitação, eu acabava reconhecendo minhas fragilidades, medos e a necessidade de perdão. Muitas vezes a gente, quando atravessa perdas, se culpa internamente pelo que poderia ter feito a mais. Por mais que elabore que se fez o melhor que se podia, esses diálogos internos nos ajudam a entender melhor quem somos e quais são os nossos desejos de vida e continuidade.
Encontrando Significado na Rotina: Ás vezes a gente procura soluções mirabolantes e esquece que também se pode encontrar conforto e propósito em nossa rotina diária, mesmo em meio à tristeza e à solidão. Me concentrei em realizar minhas tarefas diárias e aumentei os cuidados comigo. Cuidadora dos outros por tantos anos, passei a me olhar com olhos também de carinho necessário. E fui fazendo as coisas pequenas do dia a dia com satisfação redobrada, fosse cozinhando quitutes gostosos, ouvindo músicas que fizessem carinho à alma e lendo por puro prazer. Diria que me mimei mais.
Resiliência e Adaptação: Um dos desafios deste ano foi, pela primeira vez, encarar o viver só. Para mim sempre algo que fugi. Gosto do conviver, gosto da conversa sobre algo, gosto de ouvir barulhos na casa. Foram dois lutos em seis meses. Minha gata de 13 anos se foi em julho de 23. Eu sabia que ela estava me preparando para a outra partida, a da mãe. Não tem sido fácil encarar os espaços vazios e confesso que muitas vezes abaixo o volume de algo para não incomodar quem já não está aqui. É muito difícil, mas a leitura do diário me fez ver que me esforcei para administrar minha vida com "galhardia", buscando inspiração na força e no exemplo de meus pais. Eles ficaram órfãos muito cedo, ainda crianças, e sempre nos ensinaram a enfrentar a realidade com resiliência, coragem e bom humor que traz leveza de alma.
Conexão com a Natureza: Sempre tive por hábito perceber a poesia dos momentos, observando os ciclos da vida e a beleza do mundo ao meu redor. Neste ano cheio de tristezas profundas, essa conexão com o milagre da energia do sol, do céu e das plantas me fez encontrar neles uma fonte de renovação e esperança.
Solidariedade e Empatia: Estava ainda imersa na minha própria dor pessoal, quando maio nos trouxe primeiro o incêndio da pousada Garoa, uma madrugada onde ouvi gritos desesperados das pessoas. Muitas não sobreviveram. Minha janela, que vê tanta beleza e a registra sem parar, também foi palco desta tragédia. Dias depois as águas inundam o estado, as cidades vizinhas e Porto Alegre. Era impossível não se impactar e sofrer emocionalmente com tantos dramas, muitos de pessoas conhecidas. Eu mesma abriguei uma família amiga que teve a casa inundada. Uma carta escrita pela minha mãe na enchente de 1941 veio a tona, foi artigo em vários meios de comunicação do centro do país. Foi como se, naquele primeiro dia das mães sem ela, uma energia me conectasse à sua força de sobrevivência. Em meio à preparação para o segundo volume do Metamorfose da Vida - a arte de envelhecer, um grupo de pessoas re reuniu e escrevemos um pocket chamado Perdi Tudo, E agora? relatando nossas angústias e com sugestões para ações futuras, fruto de nossas percepções de faltas e falhas, em especial com as pessoas idosas. Ver a imensa onda de solidariedade que uniu gente de todos os cantos do país e do mundo foi dos momentos mais emocionantes dentro desta tragédia. Muitos desses sentimentos foram retratados em outro livro que participei, uma coletânea em prosa e verso, Enchente.
Reflexão sobre a Vida: Durante todo o ano todos estes acontecimentos desafiadores acirraram minha eterna busca por respostas. Minha constante reflexão sobre a vida, a morte, a impermanência e o significado da existência. Nos meus escritos busco encontrar sentido em meio ao caos, questionando sempre meus valores e crenças, e buscando uma forma de viver mais plena e consciente.
Redescobrindo Paixões: Sair do casulo e alçar voo na procura pela minha essência, perdida no meio de cuidados tantos com outras necessidades, foi uma escolha e ação consciente. Procurei me reconectar com minhas paixões, como a escrita e a arquitetura. Ao invés de adubar a dor, deixei que ela se manifestasse em forma de saudade e lágrimas, sem apressar os processos de passagem. Procurei me dedicar a projetos que me trouxeram alegria e propósito, encontrando neles uma forma de expressar minha criatividade e contribuir para o mundo. Entre eles posso citar o lançamento do livro Metamorfose da Vida - a arte de envelhecer e a participação no lançamento do Movimento Sociedade sem Idadismo. Aceitei participar de eventos que me traziam receios, enfrentei medos e convivi com pessoas queridas que me trouxeram afeto e acolhimento.
As fases do luto vão acontecendo e eu as vejo como processos de vida e aprendizado. É como se eu fosse participante de uma corrida de obstáculos e revezamento. Os que se foram me entregaram o bastão e devo aqui seguir dando o meu melhor. Não a perfeição porque hoje me cobro menos. Mas encarando as mudanças e vendo como elas me transformam e me reconstroem, me trazendo novas formas de significado e felicidade.
Muita emoção,se auto descobrir,reformular uma estrutura de vida já fortalecida pelo tempo,se posicionar com com firmeza mas com tranquilidade é sabedoria!!!
ResponderExcluirUm processo bonito de vida e crescimento, mesmo em momentos tristes
ExcluirMuita emoção!!!Se auto descobrir com novas oportunidades,valorizar as experiências vivenciadas,deslumbrar as belezas de natureza e da vida nos acrescenta como seres humanos!!
ResponderExcluirA vida é feita de retalhos e aprender a conviver com eles é sempre enriquecedor
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