Diário da enchente 2024

Porto Alegre, dias de maio que nunca serão esquecidos 


07/05/2024

Tempo bonito, aparentemente tudo melhor. #SQN. O nível do Guaíba se mantém estável em 5,28 desde ontem. Das estações de tratamento de água de Porto Alegre, apenas uma funcionando e mesmo assim com restrições. Casas de bombas sendo desligadas e a água invadindo bairros. O prefeito sendo avisado disso, depois, quando estava em uma coletiva de imprensa. Populações em pânico saindo de suas casas, muitos sem ter para onde ir já que o centro de triagem tambem estava sob risco de alagamento. As únicas poucas saídas da cidade lotadas de carros das pessoas que tem Casas de praia, indo para o litoral, seguindo recomendação do prefeito. Aqui, mesmo estando no alto, estamos a uma quadra da enchente e por isso a luz foi desligada preventivamente ontem pelas 15 horas. Uma sensação de desamparo, ainda bem que não estou só pq recolhi a Lourdes e família que tiveram a casa alagada em Canoas. Confesso que ontem foi um dia de balançar toda a resiliência que ainda tenho. Hospitais sendo evacuados, os que sobram operando no limite da resistência. Poupando bateria do celular. Por sorte moro em um prédio com gerador e ficamos em reunião do andar, recarregando na única tomada que existe em cada pavimento. A solidariedade, o estar junto, o poder falar, rir, extravasar as angústias ajuda a suportar esta longa calamidade que promete ainda se prolongar por dias. Ou semanas. Mesmo que a chuva pare, as águas não baixam na mesma velocidade que subiram. Água e luz, e mesmo alimentos estão mais escassos. E ainda agradeço pq estou em segurança. #enchentesrs

08/05/2024

Com luz que às vezes é desligada, mas não que comprometa os alimentos na geladeira. Com água para beber, fazer alimentos e banhos de canequinha. O vaso? Já pensamos em ir buscar água da enchente que está a quadra e meia. E agradecendo a cada dia estar em local seguro e poder ajudar de alguma forma. A rede de apoio das pessoas que ajudam e estão na linha de frente é maravilhosa. Do MST aos empresários, mas principalmente gente comum. De todas as religiões, de todas as ideologias, de todas as camadas sociais. A separação nessas horas está muito mais em quem está longe da ação. As pessoas que de bote, barco, jetsky ou jangada de garrafas pet se prontificaram a ajudar, as dos abrigos que trabalhavam em turnos de 24 horas para ajudar os desabrigados. A organização do povo onde ciencia e braços se uniram para criar listas, sites e maneiras de passar informações. Condomínios de classe A fazendo mutiroes para organizar lotes de doação. Comunidades que não foram atingidas, ajudando como podem. Há quem se aproveite para roubar? Sim, sempre há. Mas quem ajuda ainda é em maior número. Não é hora de chinelagem, um termo bem gaúcho. É hora de dar as mãos pq a reconstrucao será longa e cara. Muita gente perdeu tudo. Alguns pela 2 ou e vez em um ano. Pequenos e médias empresários vão precisar de auxílio para superar e continuar funcionando.
As águas do Guaiba baixaram 10 cm, mas hoje, 8 de maio, tristemente a data em que é crente de 1941 atingiu seu ápice, vejo que as águas refluindo das bombas paradas dentro da cidade continuam subindo. Na segunda foto, estacionamento perto da rodoviária, carros que ontem apareciam, hoje estão praticamente submersos.
09/05/2024

Uma semana da enchente aqui na região metropolitana. Da sexta (3/5) aflita procurando resgate para amigos e conhecidos ilhados em suas casas. Ainda com comunicação e ouvindo seus apelos, a impotência se torna maior. Eram momentos em que as informações eram desencontradas ou difíceis já que as calamidades se avolumavam. As redes cobriam com notícias momento a momento. Naqueles momentos a rede que sigo era tomada por fotos, vídeos e tentativas de organização da sociedade civil. Desses dias acompanhando as notícias e ouvindo relatos de quem sofreu na pele as angústias de ter que sair de casa, temendo pela sua vida e dos que estão organizando e trabalhando em abrigos e doações, reflito que há muitas maneiras de enfrentar adversidades. Alguns veem o pior, compartilham denuncias sensacionalistas que acabam por mais atrapalhar que ajudar. Outros mantém a calma e conseguem raciocinar e ajudar como podem. Com a água racionada ou faltando, há os que poupam das maneiras mais criativas, tem solidariedade de buscar águas para quem precisa, pensa no conjunto ao invés do individual. Há os que só pensam em si, tinham pessoas lavando calçadas quando a água já era rara, quem se preocupe com o seu banho quente, as suas necessidades pessoais. Ainda penso que a maioria das pessoas é solidária, tem uma capacidade imensa de resistência e de solidariedade. Há sim que se apurar responsabilidades de maneira séria, no intuito de entender prioridades e não postegar planejamentos urbanos e de gestão há muito relegados. Porto Alegre inundou porque as bombas falharam, seja por estarem um locais baixos ou em colapso elétrico. Não é exatamente a minha área mas temos bons profissionais que devem ser ouvidos e estas soluções precisam ser implementadas de maneira bastante ágil. Não é hora de burocracias desnecessárias nem ranços de qualquer lado porque esses eventos climáticos estão se acelerando. Então é hora de respirar fundo, puxar todo o bom senso que ainda reste e tentar dialogar em pontos comuns, ao invés de atiçar ódios.

10/05/2024

Fotos da semana que passou. Desde terça feira estamos sem água nas caixas do prédio. Nós, uma parcela imensa da cidade, grande parte dos maiores hospitais da cidade. Ainda agradecendo ter luz (que faltou) e até internet (um luxo também). Fazer economia de água é uma coisa. Não ter água é outra. Houve necessidade de chamar a polícia quando um supermercado perto foi reabastecido. Mesmo com a restrição de 2 bambonas de 5 l por pessoa. Ainda temos condições de usar pratos descartáveis (também escassos), tomar banho de canequinha usando uma bacia para Reaproveitar a água usada para os vasos. Um banho quente e embaixo do chuveiro é algo que não faço desde a semana passada. Mas é um pingo de contratempo em um estado que, mesmo aa águas baixando lentamente em alguns locais, sofre com a necessidade urgente de salvar vidas. Essa água toda está desaguando na Lagoa dos Patos e, consequentemente, nas cidades ao redor dela. Os acessos vitais estão sendo reconstruidos em tempo recorde. Organizar, distribuir, e depois reconstruir. Dias duros e trabalhosos nos aguardam. Milhares sem lar, milhares sem emprego, empresas e negócios precisam ser reerguidos. A tal da resiliência nos aguarda como companheira por vários meses e anos. Urge que cada um ajude. Quando muito não atrapalhando. A previsão é de muita chuva hoje e no fim de semana. A água nos rodeia e ao mesmo tempo é dos nossos bens mais escassos.

11/05/2024

Este será o primeiro dia das mães que passo sem ela. No meio dessa calamidade que nos acomete aqui no Rio Grande do Sul, dois fatos me fazem lembrar e a sentir aqui comigo. No sábado, o vaso chinês que tinha dado para a Lourdes, que sempre esteve conosco e a cuidou até o final, quase ia saindo pelo portão de sua casa alagada, mas deu meia volta, entrou pela porta, fez uma volta e ficou na escada para que a Lourdes pudesse pegar. E ver que o seu interior estava seco, nenhum papel havia se molhado. Outro foi a sua carta de maio de 1941 quando, jovem adolescente de 16 anos, vivenciou a grande enchente em Porto Alegre. A maior até agora. Tristemente lembrada como essa será agora. Reposte uma postagem de 2015 de meu blog onde tinha colocado suas palavras descrevendo o que acontecia na cidade. Um repórter do Globo encontrou e fez uma reportagem sobre essa carta (obrigada Bolívar Torres). Outra repórter do UOL também me entrevistou porque viu a primeira reportagem (obrigada Camila Corsini). Confesso que fiquei surpresa pela repercussão. Mas entendi com a voz do coração como sinais dela me dizendo que sim, se pode sobreviver. Que sim, estamos acompanhados. Que sim, mesmo nos piores momentos existe dentro de cada um de nós uma força de sobrevivência, de resiliência e de solidariedade que são muito maiores que as catástrofes que nos abatem. Assim como ela, órfã aos 10 anos, morando em casas de parentes, sobreviveu à enchente de 41 e se tornou uma mulher que viveu muito e muito ajudou a quem precisava, me legando essa herança linda de exemplos, vamos nós continuar daqui deste plano a garra de seguir adiante com fé e um sorriso no rosto. Obrigada mãe por estar sempre junto. Te amo para sempre.

13/05/2024

Minha relação com a água deve mudar. Não costumo ser uma pessoa consumista, com exceção de livros e material de papelaria. Mas a água...aquela que jorra na torneiras em um simples toque e a gente nem agradece o esforço e custo que isso significa, essa água que não tratava como o bem precioso que é.

Como arquiteta tenho pensado nos inúmeros casos de dificuldade de salvamento e resgate de idosos. Na necessidade de se organizar a defesa civil com recursos para planejar estes eventos, infelizmente cada vez mais frequentes. É a terceira enchente aqui em menos de um ano. Na necessidade de educação em todos os níveis para os cuidados com o meio ambiente. Na necessidade de um local pra centralizar informações criveis sobre os recursos de ajuda disponíveis.

Até aqui tivemos a ideia de que o Brasil estava livre de eventos desse tipo. Não mais.

Sairemos dessa. Mas é urgente que não mais de forma reativa nos próximos. O custo em vidas é recursos é muito grande. Temos que pensar em soluções e manutenção dos que já existem. E chamar e escutar muito mais os especialistas que se debruçam à anos sobre isso.

A semana começa com notícias não muito boas. As águas da serra descem para a região metropolitana, que é uma espécie de funil. O vento sul e elas devem fazer uma nova cheia, talvez maior que a da semana passada.

Ainda não terminou.

"Abobado da enchente" é uma expressão que surgiu durante a inundação de Porto Alegre em 1941. O seu significado é impreciso, mas provavelmente refere-se a pessoas que tiveram surtos de doenças devido à exposição às águas e às condições sanitárias da cidade

O que para mim era uma expressão engraçada, tipo um meme histórico, hoje faz todo o sentido. Mesmo eu, que estou segura, já tenho água encanada após uma semana sem, tenho luz e internet, sinto dificuldade de manter o emocional intacto. Cabeça lotada de noticias que tento catar de todos os meios de informação. Imagino que minha mãe, adolescente em 1941, sofresse exatamente pelo oposto: falta de saber o que acontecia. As notícias deviam correr de boca em boca e de maneira demorada já que a cidade estava alagada e às escuras. Hoje, exatos 83 anos depois, a cidade volta a se alagar em uma escala muito maior. Disponho de Inteligência Artificial, internet, redes sociais além dos portais de imprensa tradicional. O que tem me municiado de informação é o velho e bom rádio.

Confesso que entendi o termo abobado da enchente. Somos nós, os que olham os céus, acompanham os níveis dos rios, se assombram com os estragos, ficam de coração na mão com os sofrimentos. E o pior: impotentes por mais ou menos que ajudemos. É como se a natureza se voltasse com toda a sua fúria se voltasse contra quem a agride.

14/05/2024

Já não consigo levantar de madrugada porque o sono é entrecortado. As águas do Guaiba continuam a subir, as da cidade também, especialmente nas regiões periféricas que não fazem parte do sistema de contenção de enchentes como as centrais. Se mesmo essas estão abaixo d'água porque sistemas, por melhores que sejam, exigem manutenção constante, imaginem as baixas, em contato direto com o Rio.
Previsão de tempo bom e seco por alguns dias fazem bem porque o sol energiza, ajuda nos trabalhos. Faz frio. Hoje acordamos com 11 graus. Seria uma linda manhã de outono para tirar os agasalhos e, se tivéssemos tempo, comer berga lagarteando no sol. Mas não. Pomares submersos, agasalhos que pessoas desamparadas necessitam, trabalho e trabalho para resgatar, reconstruir, ajudar. Todos. Funcionários públicos, empresários, militares e civis. Nessa hora cidadania deixa de ser palavra retórica e vira ação e participação. Ajuda quem pode, ajuda como pode. Ajuda quem reza. E ajuda muito quem não atrapalha.
Uma cidade é um organismo complexo e exige soluções complexas e que devem ser estudadas e implementadas caso a caso. Mais que consultorias de fora que desconhecem culturas e realidades locais, talvez fosse a hora de consultar especialistas que há muito estudam o tema. Até para não indicar soluções aparentemente mirabolantes, mas que possam agravar o problema do meio ambiente.
Quando adoecemos, além de consultar médicos, devemos entender que nosso corpo pode estar dando sinais de escolhas erradas que podem, e devem, ser mudadas. Além das soluções técnicas, pense o que você pode fazer de hoje em diante para uma convivência mais harmônica com mãe Terra.
O sol sempre me traz boas energias. Hoje mais necessárias do que nunca.

15/05/2024

Amanhece bonito na capital dos gaúchos. São 7:00 e faz frio. Faz frio no corpo e na alma. É difícil manter as emoções sob controle. Mesmo para quem não sofreu as consequências da devastação, as águas deixam marcas que mexem lá no fundo da alma. Impossível não pensar nos que passam frio nos abrigos. Mesmo com tanto carinho, e ele é enorme, o frio do desamparo do que vai ser, como vai ser, arranha no fundo da gente.
Amanhece bonito e a gente se reabastece de pequenos e grandes gestos. Cada resgate, cada ato de solidariedade, cada ajuda de todas as formas, nos reafirmam que mais que estatísticas de catástrofes, é gente que vive, respira, ama e tenta de todas as maneiras manter a esperança.
Um dia que Amanhece bonito é uma delas.
Mais que nunca precisamos de poesia e fé.

Lembrando as coisas belas da vida. A arquitetura tem na função estética uma forma de trazer harmonia e beleza. E na função social respostas às demandas práticas e emocionais das sociedades.

Neste momento em que tantos perderam suas casas e sua segurança, a arquitetura pode contribuir no planejamento da reconstrução. Devemos lembrar que cada tijolo colocado não é apenas parte de uma estrutura física, mas um passo em direção à cura de uma comunidade.

Neste momento crítico, a arquitetura se torna nossa aliada, unindo forma e função para criar espaços que não só atendem às necessidades básicas, mas também restauram a dignidade e a beleza em meio à adversidade.

Agora, mais do que nunca, é hora de construir com consciência, respeito ao meio ambiente e compromisso com o bem-estar social.

Os helicópteros têm um tráfego constante nos céus da cidade gelada. Hoje o céu se fez baile de nuvens, e o sol se deita com promessas de belezas. A natureza parece dizer que não nos quer mal. Só quer ser respeitada para poder resplandecer em belezas.

A união de tantos para salvar e cuidar me faz ter esperanças em amanhãs mais belos.

16/05/2024

Hoje é aniversário da Lourdes. Seria uma dia normal, de bolo e comemorações. Mas a casa da Lourdes está alagada. Assim como foi alagada a casa de sua filha Jéssica, e o neto Arthur também não teve festa nos seus cinco anos. A moça que faz os bolos, e tinha investido na cozinha nova para a sua doceria, está com ela e a casa alagadas. Ao lado da Lourdes moram o Ângelo, Ivone e filhos. O Ângelo é aposentado. Foi o próprio operário padrão por anos, construiu um patrimônio que iria lhe proporcionar anos de velhice tranquila. Sua casa foi alagada até o telhado. A moça da bolsa, a Leda, foi quem me deu a Lady. Com suas faxinas criou um monte de filhos. Sua casa foi alagada. Assim como a Vera, a Sandra a Tereza do armazém

Não são apenas estatísticas ou números. Por trás de cada casa tem gente. Tem nomes. Tem histórias que foram alagadas, invadidas por lama lixo e abandono.

Hoje é aniversário da Lourdes. A gente vai comemorar aqui porque somos filhas de mães que nos ensinaram a ir a frente.

Mas vamos querer soluções. Vamos querer sim um inventário do que deixou de ser feito. Mais que valores monetários, são histórias sonhos e muito trabalho que foram invadidos pelas águas
18/05/2024

O dia amanhece com calma em Porto Alegre. São 7:00, faz frio. Vejo o tráfego de veículos na Castelo Branco (que foi Legalidade por uns tempos). Seria normal, é uma das poucas entrada da cidade. Só que agora passam por um caminho feito com urgência e chamado de corredor humanitário. Todos devem ter visto que derrubaram uma passarela de pedestres para isso. Já passam ônibus ligando as cidades vizinhas. Começaram a deixar carros de passeio nas madrugadas, em caráter emergencial.

Em tempos normais ir à Canoas, aqui do lado, levaria uns 20 minutos. Com a obstrução das entradas da cidade, restou um caminho alternativo que vive engarrafado. Pessoas tem levado umas 6 horas para ir e voltar.

Chegar de avião por aqui só na base aerea de Canoas, restrito à autoridades, militares e aviões de ajuda (pelo que saiba). Segundo li, rotas comerciais tem descido em Florianópolis e o resto do trajeto (umas 6 horas na estrada em tempos normais) é feita de ônibus.

A gente respirar, pedala e tenta manter o emocional do jeito que dá porque, com a águas baixando, começa o tempo de checar o estrago nas casas, limpar (e para isso mutiroes são bem vindos já que muitos idosos não vão ter condições de fazer isso sozinhos) e reconstruir. E rezar para que, o que as águas não estragaram, não tenha sido saqueado. É provável que faltem materiais, até ela demanda. Talvez alguns preços subam.

Duas semanas que mudaram vidas. E continuam mudando pq os alagamentos chegam às cidades na Lagoa dos Patos agora.

Se alguma lição fica, e sempre fica, é que cuidados básicos de manutenção, atualização de projetos de prevenção e preservação do meio ambiente são mais que urgentes. E gestão de desastres naturais. Os voluntários fazem o que podem, mas não se pode depender apenas deles.

É sábado. 18 de maio de 2024. Porto Alegre amanhece sem chuvas e com as águas baixando. Lentamente.

Guardo em mim as flores que, apesar de tudo, florescem.

21/05/2024

Saudade de ter os problemas normais. De correr para a obra, de sentar e projetar com calma. Saudade de pensar em coisas belas e de quais são as tendências da feira de Milão. Mas é impossível fazer de conta que estamos longe de uma tragédia.
Ontem na obra, de vizinhos um abrigo com desabrigados e movimentação de helicópteros chegando e saindo. Os clientes voltando da praia, onde tiveram que ir correndo porque seu bairro foi alagado de supetão. O arquiteto da empresa de revestimentos mostrando sua casa alagada ainda. O rapaz do uber, no meio do engarrafamento monstro das pessoas tentando ir ao interior pelo caminho humanitário, contando que sua casa está alagada ainda na cumeeira aqui em Porto Alegre, no bairro da Arena do Gremio.
No caminho de volta para casa, em bairros onde a água refluiu, lixo, móveis, eletrodomésticos descartados nas ruas para serem recolhidos pelo serviço público.
Várias pessoas dizendo que não querem voltar para as antigas casas. Quem pode escolher. Outros ansiosos para voltar, com medo de encarar sim o que vão encontrar. E possíveis saques. Os dramas pessoais estão ao nosso lado. Fica uma impotência de saber que não se pode ajudar mais. Escutar talvez seja uma forma. Pensar em como ajudar quem retorna é tem que restaurar, limpar ou mesmo reconstruir.
A cerração de hoje esconde a cidade. É como o coração da gente, meio nublado, se resguardando para não antecipar o que se sabe necessário. As chuvas voltam daqui uns dias.
Manter alguma esperança e a energia para seguir em frente se torna cada vez mais necessária.
Há que se ir em frente. Há que não se esquecer o que nos trouxe aqui. Há que se apontar as falhas e omissões. E há que se ter urgência para agir nas causas e não apenas nas consequências. Porque não podemos mais esperar

22/05/2024

Imagens da manhã.

Sol que nasce belo

Luvas da limpeza da enchente

Uma jornada de sorriso

Uma certeza no rosto

Mais-que-tudo é preciso resistir

Mais que sempre é preciso sorrir

Mais que nunca o afeto é Curador

Na frente da adversidade

Posso escolher chorar e sentar

Ou chorar, respirar, desabafar

E sorrir

A força da resistência começa em cada sentir

Em mão que se une

Em cada carinho que se sente

Em cada raiva sentida

Em cada ação cometida

Pequena, grande, não importa

O sol nasce

Novo amanhecer

A vida segue

E nós com ela

23/05/2024

Choveu a noite inteira

Foi tempestade que me acordou na madrugada. Confesso que me bateu um desânimo contrastante com o céu azul de ontem e as boas notícias de pessoas queridas que salvaram um tanto no meio do resto que perderam. Impossível conter o abraço emocionado no meio do caos. Impossível ouvir as histórias em todos os locais por onde se passa. Ninguém passou em vão. Fomos todos atingidos.

Hoje chove novamente. Entre pensar nas belezas, nas formas e funções que fazem minha paixão e ganha pão, e a realidade do limpar, descartar e reconstruir resta um respirar fundo e a busca de toda a forma de resistência interna para continuar acreditando na harmonia e no sol de cada dia.

Sou por natureza otimista. Tenho alma de utopias. Mas não desvejo a realidade. O sorriso é uma forma de resistência. Hoje vou sorrir com lágrimas que teimam em navegar nos olhos. Misto de cansaço emocional, emoção e incredulidade.

Fotos aleatórias de momentos. Entre sonhos (e pesadelos) e realidades se faz nosso presente.

24/05/2024

Arthur tem 5 anos. Fez aniversário no dia 15 de maio. Ia ter bolo e festinha na casa da vó. Na madrugada do dia 4, sábado, Arthur foi resgatado de barco com sua mãe e pai. Foi para casa de parentes. Sua vó e mais 9 pessoas foram resgatadas de botes no sábado à noite. Eram mais de vinte pessoas na casa dos parentes. Passou 20 dias em um quarto de pousada, longe da sua rotina da casa, creche e terapias. Arthur é uma criança especial. Na terça foi para casa. Não pode ficar porque a limpeza era necessária. A noite veio pelo caminho humanitário de Canoas para minha casa. A gente não convive muito, eu e o Arthur. Mas olha, este pequeno guri de 5 anos demonstra uma capacidade de resistência à tudo isso admirável. Ele que fez contato comigo, pegou na minha mão (eu estava respeitando seu tempo e espaço de interação) e conquistou definitivamente meu coração.

Hoje ele, sua vó e vô, que estão comigo há 20 e poucos dias, retornam para a limpeza, reconstrução e recomeço. Sua rotina de terapias deve demorar um pouco mais para ser retomada. A vida segue. E é feita de nomes. De histórias. De gente real.

Que possamos repensar este mundo que estamos deixando para o Arthur e para tantas crianças que passam por isso neste momento. Que este exemplo de resistência e afeto além de tudo nos guie para escolhas mais sensatas com o mundo e com todos os seres que o habitam.

25/05/2024

25 dias. Parecem meses.

A chuva hoje parece ter dado uma trégua. A umidade não.

Ainda ouço barulhos de sirenes e ambulâncias. Os helicópteros não tem mais passado por aqui.

Um shopping virou sala de embarque porque o aeroporto fica numa área alagável.

Tanta coisa fica em uma area alagável. De vidas à corações de informações vitais. Equipamentos de hospitais. Processamento de dados do estado.

Deu pane nas fibras óticas e a tecnologia, da qual somos todos dependentes, também falhou.

Não falhou o voluntário.

Não falhou a solidariedade

Não falhou quem se arriscou em águas imundas e noites em breu para salvar vidas.

Não falhou a tenacidade. De gente que sobrevive. De cavalos, cães e gatos, além de outros seres, que sobrevivem.

Porque de sobrevivência é feita a vida.

Civilizações crescem e findam.

Que saibamos aprender as lições do que nos trouxe até aqui. E que a reconstrução seja feita com tenacidade e escutando quem pesquisa.

Vamos em frente. Não chove e está frio.

Obrigada a todos os amigos que, aqui e de longe, tanto se preocupam e ajudam! Vocês são fantásticos!

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