De Woodstock ao WhatsApp da família: onde foram parar os rebeldes com mais de 30?
“Não confie em ninguém com mais de 30.”
Frase curta, direta, quase um refrão.
Imortalizada pela contracultura dos anos 60 e 70, ela ecoava nas rodas de violão, nas passeatas, nos pôsteres psicodélicos e nas faixas de protesto. Originalmente dita pelo ativista Jack Weinberg em 1964, durante o Free Speech Movement em Berkeley, a máxima expressava a desconfiança dos jovens em relação à geração mais velha, vista como cúmplice do poder, do conservadorismo e da opressão.
A frase foi rapidamente adotada pelos movimentos de contra cultura mundo afora e, no Brasil, virou verso irônico e provocador na música Com Mais de 30, de Marcos e Paulo Sérgio Valle. Uma canção que zombava da autoridade, ironizava os valores tradicionais e escancarava a vontade de autonomia, autenticidade e liberdade da juventude. Criticava não só os mais velhos, mas também a alienação urbana, a caretice institucional, o tédio existencial. Era um convite à invenção de novos caminhos, longe das fórmulas prontas.
Mas o tempo, esse gozador implacável, passou.
E eis que os que cantavam essa frase agora têm 60, 70, 80 anos.
Estamos aqui. Alguns com a mesma cabeleira desgrenhada, agora grisalha. Outros de boina e tênis confortável, compartilhando memes no grupo da família. Muitos ainda com o mesmo brilho nos olhos, embora tenham trocado o lema “sexo, drogas e rock'n'roll” pelo inevitável omeprazol e/ou remédios de pressão.
Então… confiar ou não confiar?
A pergunta, que antes vinha com uma piscadela revolucionária, hoje retorna com sabor de ironia. Aqueles que não queriam ouvir conselhos de velhos agora são os velhos que ninguém quer ouvir.
Vivemos sob a ditadura do novo.
Ser jovem deixou de ser uma fase: virou uma obrigação estética, moral e mercadológica. Quem não se atualiza “perde o timing”, vira cringe, ultrapassado, lido como peso morto no feed da modernidade. O preconceito contra a idade se disfarça de dica, se esconde atrás de elogios disfarçados (“você tem tanta energia!”) e, o pior, se veste de oportunidade de negócio.
Na tal “economia prateada”, pessoas maduras são vistas mais como nicho de mercado do que como protagonistas. Viramos personas em campanhas que nos tratam como envelhescentes ativos, como se estivéssemos numa estrada de declínio com um sorriso resiliente no rosto, desde que estejamos comprando, é claro.
Mas vamos combinar?
Se tem uma geração que merece crédito, é essa.
Fomos nós que colocamos o pé na porta da história. Enfrentamos ditaduras, desafiamos o patriarcado, questionamos dogmas, experimentamos outras formas de amar, viver e dançar. Erramos, sim, e como! Mas deixamos rastros de mudança por onde passamos.
Agora, ao envelhecer, somos muitas vezes colocados num canto, como se a rebeldia tivesse prazo de validade, como se a maturidade fosse sinônimo de obsolescência.
Só que não.
O que talvez o mercado, a mídia e o algoritmo ainda não entendam é que a rebeldia verdadeira não se aposenta. Ela muda de roupa. Troca o cartaz pela crônica, o grito pela ironia fina, o palco pela rede social. E ainda dança se for preciso.
E quando a rebeldia encontra a maturidade, nasce algo raro: a lucidez corajosa. Aquela que não se curva às modas nem precisa provar nada pra ninguém.
Enquanto o preconceito limita e adoece, a boa rebeldia ainda tem o poder de cutucar o mundo. De abrir espaço. De sacudir estruturas com humor e ternura.
Está mais do que na hora de atualizar o slogan:
Confie, sim, em quem tem mais de 30. De preferência, mais de 60. Porque quem sobreviveu a tudo isso e ainda quer mudar o mundo… merece o microfone, o palco e o wi-fi.
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