obra inacabada
02/10/24
É o segundo dia do décimo mês do ano de dois mil novecentos e vinte e quatro. Escrito assim parece mais pomposo e solene. É uma mera convenção. Podia ser colibri dourado do mês abundante de flores do ano da colheita do que se plantou.
Tudo na vida é convenção e esta é construída pelas nossas visões, nossos aprendizados e o que aceitamos como verdades. Existem fatos. É dia, tem nuvens no céu, vai haver eclipse do sol. Existem crenças e sentimentos oriundos delas. As nuvens empanam o brilho e o eclipse marca portais de energia cósmica que podem afetar seres que habitam um planeta qualquer da Via Láctea que tem o sol como estrela geradora de vida. Dito assim até parece fazer sentido.
O que faz sentido realmente na vida? O que vemos? O que filtramos do que vemos? O que sentimos do que filtramos do que vimos?
Filosofar sobre o sentido da vida sem citar ninguém e em plena manhã de uma quarta cinzenta, sendo apenas uma janela na imensidão de prédios que compõem minha cidade, faz zero diferença na rotação do mundo.
Mas...
e a palavra mas é poderosa, porque sempre tem uma ideia contraditória ao que dizemos antes. Tipo, você está correta, MAS há divergências. Você parece tão jovem, MAS já passou dos 60. Você parece tão ajuizada, MAS só tem 15 anos. E por aí vão os exemplos. Cada um de nós tem vários acumulados na vida. Ouvidos e ditos. Somos sempre parte do problema. Até por omissão.
MAS cada cabeça faz diferença no mundo, voltando ao assunto lá de cima.
E se cabeças isoladas começam a trocar inquietações, a onda resultante pode gerar uma explosão. Uma ação.
A vida é feita de ação. Mesmo em dias de eclipse. Ou apesar deles.
Pensamentos isolados geram minhocas mortas na chuva ácida. Pensamento em colaboração aram terras estéreis e geram vida, mesmo que miúda.
Miúda é como minha tia chamava os sobrinhos. Como menor da cabeça, fiquei miúda por muito tempo. Hábitos de Portugal, terra mãe dos antepassados. Comemorar o 6 de janeiro, dia de Reis também.
Miúda também pode ser quem está atento aos pequenos detalhes. Aí sim, me encontro. Sempre fui atenta ao impoderável.
Viver é mais que agir. É pensar sobre a ação. Sobreviver é gemer poesias ao sabor das águas e trovões. Parir reflexões sobre tudo e nada como se fosse refeição de todo dia. É vontade de mergulhos em mares sempre e muito antes navegados com sabor de novas descobertas.
É matutar sobre a vida em uma manhã cinzenta de um dia qualquer, em um pedaço do sul deste mundo que teima em nos sobressaltar a cada dia mais apocalíptico que o outro.
Poeira e normalidade se fundem em gostos de quero e nunca mais.
Coerência? Sim e não.
Construo-me feito Gaudí.
Maravilho-me e me assusto
E nunca termino, sempre obra inacabada esperando novas intervenções.
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