Virginia Cunha, a decidida

Vergina, como consta dos registros, nasceu em 16 de setembro de 1876, então nesta foto dos anos 40 ela tinha por volta de 68 anos. Não mudou muito para quando a conheci. Minhas primeiras recordações da Vó Virginia remontam aos anos 60, quando meus pais iam passar férias na casa da Vó Estelita, no interior do estado. 

A vó Virginia era baixinha, mas muito cheia de personalidade. Lembro que gostava de rezar e sua mesinha de cabeceira tinha muitos santos católicos. Não lembro de nenhum em especial, considerava bonitas aquelas pequenas estátuas coloridas que representavam histórias. 

Ela e a vó costumavam rezar o rosário todas as noites. Pelo menos nas noites em que eu estava por lá. Achava lindo aquele entoar a reza em voz alta, a mesma uma após a outra, as mãos seguravam as bolinhas do terço e iam passando de uma para outra com rapidez. Eu me juntava à ladainha achando aquele ritual algo fascinante. 

A cozinha era grande e ali se faziam as orações. Nas paredes, um quadro de coração de Maria e um de minha avó e avô nos seguiam com suas bençãos. Eu tinha uns quatro anos e adorava minha avó de colo gostoso. A vó Virginia eu respeitava. Não tinha muita proximidade com ela. Não que fosse severa, devia ser, mas comigo não. Só não era aconchegante. 

Dela sabia pouco. Histórias que minha mãe contava de vez em quando. Que era tia de minha avó, que a tinha criado desde o nascimento porque sua irmã, minha avó de sangue, tinha morrido no parto. Que era cheia de personalidade e não levava desaforo para casa. O que tinha de baixinha, tinha decidida. 

Soube que tinha abandonado o marido porque ele bebia. Nunca soube mais nada dele. Um nome que julgo ser Werner. Mas como toda informação da memória, posso ter me equivocado. 

Foi ela que, tendo meu avô morrido em campo de batalha, foi com um parente buscá-lo. Como ele, maragato, era adversário dos que detinham o poder, tentaram impedi -los. Vó Virginia, virginiana e decidida, disse em alto em bom som: bem capaz! Quero ver quem me impede de buscar o Fabio. Ninguém impediu. Ele foi enterrado com honras pelos irmãos maçons que compraram uma casa para a viúva e seus quatros filhos. 

A mesma maçonaria que ela, ferina, vociferou para meu pai quando este entrou para seus quadros: boa coisa não há de ser, para impedir a participação de mulheres. 

Junto com a minha vó, costurou para alfaiates e, assim criaram os dois meninos e duas garotas. Não lembro de sua voz, não lembro de nenhuma ocasião especial comigo. Mas lembro bem que se tinha alguém que meu pai obedecia, era ela. 

Teve uma queda aos 90 anos. Fraturou o fêmur e creio que as operações não eram comuns na época, principalmente na sua idade. Sobreviveu por mais três anos em uma cama.

Nessa época já moravam na capital. Umas cinco ou seis quadras de casa. Tinha uns dez anos e adorava ir dormir na vó. A cozinha já não era grande, como na casa. Mas o ritual do rosário continuava.

Um dia, a vó Virginia se foi. Não lembro a data. Uns meses depois, foi a vez da minha vó. A vida de sacrifícios se somatizou em um câncer que a deixou tão parecida com a tia. As duas, unidas na vida de sobrevivência, partiram quase juntas. Vinte anos as separavam. 

Da Vergina, tão pequena, tão decidida, poucas lembranças. Mas uma herança de mulher forte e cheia de personalidade que acompanha quem a conheceu.    

Saiba mais sobre descobertas posteriores sobre ela em Esmeralda, a filha esquecida

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