Cafezinho
-Açúcar ou adoçante? - Ainda me prestava a perguntar. Muito raro quem não posasse de "laite", este jeito moderno de dizer que se acha gordo e quer emagrecer. Gente besta, em vez de comer direito, já que dinheiro tem para isso. Imagina se fossem pobres e passassem fome, aí ia querer ver se iam renegar alguma coisa.
Não sei se foi o jeito de mexer no café ou o olhar mais distraído. Acho mesmo que foi a falta do sorriso ao receber a xícara que me deu um aperto no peito. Igual ao que tive quando meu pai saiu de casa e nunca mais voltou. Tinha uns 10 anos, mas lembro da mão parada no ar, na voz sumida e na falta do sorriso na despedida. Quando a porta bateu, foi como se algo se quebrasse me mim. A mesma sensação que sentia agora.
Ainda não tinha descido a escada quando ouvi o barulho. Depois foi uma correria danada, todo mundo gritava, uns ficaram parados como se tivessem virado estátua. Nessas horas a gente conhece as pessoas. A ambulância demorou, quando chegou nem era mais necessária. Só eu que passava por todos, ninguém me via, só erguiam as mãos e pegavam as xícaras como se fossem robôs.
Os jornais do dia seguinte vieram com manchetes sobre nova operação da PF. Grampos tinham pego executivos daquela grande multinacional. Logo iam fazer parte da memória de poucos, esquecidos pelos novos escândalos.Só para mim ia fazer mesmo diferença. Nunca mais o sorriso que me fazia especial. Voltara a ser invisível.
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