A arte de arder sem queimar
Sorrio. Olho minha prateleira de livros e corro os volumes para encontrar seus primeiros livros. Quase esqueço que estão na parte da poesia, tão acostumada estou com as suas crônicas atuais. Poemas lidos em 1986. Um outra Martha no STRIP-TEASE que revelava uma poeta estreante que mostrava sua ousadia e bom humor neste seu jeito tão peculiar de escrever.
E uma outra Elenara, aquela dos quase 30, se revela nos breves poemas que assinalei com todo o ímpeto de alma jovem. Hoje, relendo, achei este:
“envelhecer, quem sabe
não seja assim tão desastroso
me interessa perder esta ansiedade
me atrai ser atraente mais tarde
um pouco mais de idade, que importa
envelhecer, quem sabe
não seja assim tão só”
Vou em busca de outro de seus livros. De uma década depois: Geração Bivolt. Crônicas que li em 95. Uma delas releio pelo título: Na meia idade, uma mulher inteira. Fala da problemática de envelhecer no Brasil e cita um livro de Regina Lemos: Quarenta, a idade da loba. Lembro que, obviamente, já li e ele está ali também na minha estante.
Olho e folheio os três livros impressos e é como se o tempo se moldasse e se unisse em tempos vividos e os de agora. E não é isso a vida? Um amontoado de momentos em que sentimentos vão se mesclando e formando pedaços de um imenso quebra cabeças.
Chego à conclusão que maturidade não se constrói da noite para o dia. Leva tempo e dá trabalho.
A mulher que hoje sou, repleta de completudes e aceitações não nasceu ontem. Foi sendo construída e tecida de olhares, leituras, vivências. Algumas paridas à fórceps. Outras mais amenas, plenas de leveza e bom humor.
Envelhecer é colheita de escolhas. É perder a ansiedade daquela voracidade da juventude e é aprender que ser só tem amplitude. É compreender o brilho que mora em cada um de nós e arder sem queimar.
Sou feita de minhas ansiedades, erros, perrengues. E acertos. Brilhos e escuridão. Olhares de esperanças que miram o cotidiano com olhos de maravilhosidades.
Em cada um de nós arde universos de possibilidades e realidades. Cada um de nós vai se construindo com o combustível de nossas sementes e colheitas.
Alicerçar o edifício de nossa existência é caminho de intricada construção, eternos aprendizes que somos.
Alicerçar o edifício de nossa existência é caminho de intricada construção, eternos aprendizes que somos.
Maturidade é tempo de colheita e de plenitude. Por isso a semeadura deve ser trabalhada com afinco e paixão. Para poder se lambuzar com os frutos da terra, sabendo que hoje o tempo é mais cúmplice que carrasco. Sabendo que nem tudo precisa florescer no mesmo instante e que há beleza no que amadurece devagar.
Afinal, foi vivendo, lendo e me relendo que fui me entendendo mais. Percebi que envelhecer é também revisitar: lugares, livros, relações, aquelas versões de mim mesma. E perceber que há sabedoria em mudar de ideia, em fazer as pazes com o que não se resolveu, em rir daquilo que um dia pareceu o fim do mundo.
Cada livro reencontrado na estante é também uma versão passada de mim que se revela. Cada marca de leitura, um vestígio do que sonhei, temi ou desejei. Às vezes me comovo com o que sublinhei. Outras vezes, me surpreendo e penso o por que isso me tocou tanto naquela época? E então entendo que o texto não muda, quem muda sou eu.
Afinal, foi vivendo, lendo e me relendo que fui me entendendo mais. Percebi que envelhecer é também revisitar: lugares, livros, relações, aquelas versões de mim mesma. E perceber que há sabedoria em mudar de ideia, em fazer as pazes com o que não se resolveu, em rir daquilo que um dia pareceu o fim do mundo.
Cada livro reencontrado na estante é também uma versão passada de mim que se revela. Cada marca de leitura, um vestígio do que sonhei, temi ou desejei. Às vezes me comovo com o que sublinhei. Outras vezes, me surpreendo e penso o por que isso me tocou tanto naquela época? E então entendo que o texto não muda, quem muda sou eu.
Talvez por isso, hoje, o silêncio já não me assusta. O tempo a sós não é ausência, é espaço fértil. E o brilho que arde em mim não precisa mais ser visto por todos, basta que seja verdadeiro.
Quem sabe, como dizia aquela Martha do passado, envelhecer não seja assim tão desastroso. Quem sabe seja apenas outro jeito de florescer, com menos ruído e mais raiz.
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