Heranças dos pais que me arquitetaram

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Dos pais de minha vida lembro tantos. 

Uns que conheci por palavras e lembranças, outros por ação e carinho. 

Um em especial foi o meu pai. Ele mesmo filho de outro homem. 

Um que ele tinha uma imensa tristeza de não ter conhecido e de ter guardado tão poucas memórias, tão pequeno era quando esse pai se foi. O Fábio guerreiro e combativo que aprendi a reconhecer como avô pelas histórias que meu pai contava. O imaginava jovem, cheio de uma energia de lutas e com uma coragem indômita de tudo arriscar pelo que acreditava ser o certo. Ao mesmo tempo, uma inconsequência por ter largado mulher e filhos tão cedo e tão abandonados. Morreu crivado de balas em uma época em que morrer por uma causa era ideia a ser levada a sério.

Do Bartholomeu, médico e professor, também lembro pelas memórias de minha mãe. O caridoso que levava doentes para casa, recebia em galinhas e frutas da população daquele local ermo que foi achar ser o paraíso. O homem curioso e apaixonado pela natureza que ensinava a fazer enxertos em plantas, pisar com o pé descalço no orvalho e ir para rua em tempestades para ver a beleza da natureza. 

Esses pais forjaram o meu, em tudo amoroso e que fomentou em mim a curiosidade pelo viver e aprender. Não tendo convivido com o seu pai, foi pai e mestre para tantos pela vida afora. Sem nunca deixar apagar em seus olhos, a chama do menino buscador que teve que lutar tão cedo pela vida. Mas nunca deixou de brincar e sonhar.

Pausa para um momento de susto que me relembram momentos vividos quatro décadas atrás. Assim como hoje, ouço sirenes de bombeiros e vou para a janela, já que moro no nono andar, de frente, em janelas onde as escadas magirus teoricamente alcançam, como foi a exigência de minha mãe para se mudar do térreo para as alturas. Assim como hoje, olhei apavorada os bombeiros descendo correndo e entrando no meu prédio. E mais carros chegando. As pessoas da rua parando e olhando para o alto. Hoje eu assustada com minha mãe, acamada, de 96 anos e nas possíveis rotas de fuga se o elevador não pudesse ser usado. Quarenta anos antes, eu descendo de escadas para saber o que acontecia. Hoje uma frigideira com óleo esquecida no fogão que se desmanchou no fogo. Rescaldo feito, uma moradora encaminhada ao SAMU porque aspirou fumaça do fogo. Décadas atrás, o prédio evacuado e vejo meu pai descendo com meu trabalho de diplomação. Eu esqueci dele. Ele não. 

Ainda hoje me emociono ao lembrar. Puxei dele uma certa coragem para enfrentar situações de perigo. Assim como ele, consigo raciocinar e depois viro geleia, mas na hora eu sei o que fazer. Talvez assim como ele, eu também pense mais nos outros que em mim. A cena dele com meus canudos de papel na mão, me lembram que eu tive/tenho um pai que me arquitetou sonhadora e buscadora. Que me traçou rumos de ação e de sentimentos. Que me deu amparo e mão amiga nas horas necessárias e que me acena ainda hoje, quando já não está neste plano, com seus exemplos de resiliência e amor ao seu/nosso pessoal.

Eu sou seu pessoal. Eterna gratidão pela linhagem de pais que me ajudaram a ser quem sou. Homens em seus diferentes papéis que ousaram querer e buscar mais.

Obrigada a cada um de vocês que souberam embalar seus filhos e filhas pela vida.     

   

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