Dos sonhos recorrentes

elenara elegante

Ontem falava que a vida é um embate entre luzes e névoas. É tempo de cerração na cidade onde moro. O nevoeiro é aquele tempo em que as nuvens descem dos céus e podem ser tocadas pela criança que fui que sempre teve este sonho. Eu sei que não é bem isso, mas deixa eu usar essa narrativa mais poética porque a vida tá osso, fora e dentro, para que eu prescinda da poesia. 

Sobreviver de maneira harmônica tem sido cada vez mais difícil quando se convive com a finitude. Lá fora e cá dentro. Tenho sido uma equilibrista de manter a sanidade quando o mundo parece ruir. E o que isso tem a ver com sonhos recorrentes?

Sempre tive sonhos de que estava ameaçada por algo catastrófico, tinha que sair do mundo conhecido em pouquíssimo tempo e tinha que escolher o que levar. Tipo refugiados de guerra. Essa noite tive o mesmo sonho. Mas a diferença é que, embora esteja extremamente angustiada por fora, consegui manter a sanidade no sonho. Foi essa tranquilidade onírica que me chamou a atenção. Consegui separar poucas coisas, todas necessárias. Roupa de baixo, roupa de cima, tesoura, lápis e grafite para abastecer as duas lapiseiras. Uma embalagem fechada com três transistores que não sabia de onde tinha vindo, mas que achei que seriam necessários. Senti em mim uma resolução que nunca senti nos sonhos recorrentes de antes. Uma economia do que levar que cabiam numa sacola. Um desapego pelo que não podia ir comigo. Foi como se camadas de vida fossem sendo desfolhadas para focar no que realmente me ajudam. Nesse momento.

As brumas continuam lá fora. Aqui dentro parece estar luzindo um caminho que me leva mais perto do que importa para mim.

O sol aparece feito uma bola no céu. Dias de cerração marcam minha vida. Sinto que se aproxima uma nova rota. Pego a pequena sacola, ligo minha música interna e corro. 

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