Caminho no parque em um dia ensolarado. Passo pelo Capitão América, de escudo no braço, passo triste de quem não consegue vencer todos os compromissos. A mochila nas costas, mal ajeitada, não me diz se o mundo será salvo. Duas amigas param no sinal, debatendo sobre a grave situação educacional. Como a sinaleira fica verde, perco alguma possível solução. A mulher de voz enrolada e ar desgrenhado de quem mora nas ruas, pede um favor porque, segundo ela, hoje é seu aniversário. A vizinha de 90 anos atravessa a rua deserta em um domingo pela manhã. Penso que não tenho a sua coragem de usar bolsa em uma cidade cada dia mais perigosa. Para mulheres, pessoas idosas e quem mais não se enquadre na sociedade. Recortes de vidas. Quantos destes momentos nos marcam de formas tão intensas. Os que vemos, os que participamos. A vida também é feita desses pequenos retalhos “sobre tudo o que nos interessa, nos comove, nos impressiona, n...
Enquanto iam para casa, ela notou que seu pai, cuja mão segurava, caminhava de passos trôpegos, o paralelepido da rua na então quase deserta praia de Xangri-la no litoral gaúcho, machucava seus pés. Ela era a filha caçula, devia ter uns cinco ou seis anos. Era um dia ventoso. Novembro. A sua família tinha ido passar o aniversário de casamento de seus pais na praia. A pequena casa de madeira mal dava para abrigar tanta gente. Lembra que sua mãe tinha feito um maiô diferente para ela. Naquela época se faziam essas coisas em casa. O mundo não era nem tecnológico, nem era tão fácil adquirir coisas. Havia muitas lojas de tecidos e costureiras. As roupas mais finas, os vestidos de baile de sua irmã, eram às vezes feitos por essas modistas que eram famosas na cidade onde moravam. Mas muitos eram feitos pela sua mãe. Quando perguntavam sobre a sua profissão, ela dizia doméstica com alguma vergonha. Nunca tinham deixado que trabalhasse fora. Não era de bom tom que jovens, que não precisa...
Tinha nove dedos de prosa para gastar no balcão. Usou seis que era econômica desde menina Guardou três de precavida porque nunca se sabe Vai que precise Calou vinte horas angustiadas A cada domingo Mil e quinhentos domingos sonolentos e sofridos Fora dos anos bissextos Gritou sete minutos contados Alguns calados Mas estes nem contavam O bom eram os gritos de selva Rugidos de fera Gravados com raiva uterina Mirou vinte e nove olhares sábados Molhou e aguou enchentes de prazer Urrou gozos milenares Deusa perdida que sempre se soube achar
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