Foi um ano Muito desgraçado




Foi um ano
Muito desgraçado
Não tinha termo
Não tinha senso
Ninguém podia
Sair nele, não
Porque do vírus
Não tinha proteção

Ninguém podia
Aglomerar 
Porque na rua
Não tinha salvação
Ninguém podia
Fazer alvoroço
Porque a saliva
Espalhava o troço

Mas era ano
Com muito gado
Na Rua dos Bobos
Número 17

Que me desculpe Vinicius pela rima emprestada. Do poeta não tenho a maestria, o ano não me proporcionou a leveza necessária, o fim de ano não me encontra Poliana nem achando que o rolar das páginas vai nos trazer mais esperanças. A moça das asas ligeiras me passa longe do penamento. Era pensamento, mas tantas vezes o corretor ou a pressa revelam mais dos reais sentimentos que talvez o barbudo austríaco explique. Ou não. 

O ano foi um penamento.

Foi penoso abrir mão de vida em troca de cuidado. Não que seja muito diferente da rotina de outros anos. O que difere é que agora a dor é geral, não apenas minha. É a minha multiplicada pela de bilhões de outras pessoas que tiveram as vidas abreviadas. Pela dor de filhos sem mães e pais. Amantes sem amores. Médicos, operários, cientistas, pessoas brilhantes e comuns que se foram. Também pela dor dos que ficaram.

Pela dor dos que não estão nem aí. Também por eles porque me doí o egoísmo. 

Pelos que creem em conspirações nem tanto. Estes estão firmes pelas suas razões e esses não me doem. Que morram se for o caso. Que percam amigos e parentes. A sua dor vou respeitar, mas não sentir. Minha empatia não chega a tanto. 

Ano de número redondo. Ano de quadraturas improváveis. 

Ano de cisões.

Não vou comemorar a saída como não vou comemorar a entrada de mais um ano. Pouco faz diferença. Vivemos dias contínuos e o calendário é um mero passar de horas. Amanhece, escurece. Conversamos, rimos, trabalhamos, amamos e sobrevivemos. Apenas isso. 

Nada mais faz muito sentido.

Escolher uma palavra para 2021? 

Imprevisibilidade. 

Eu, que tenho alma de Cassandra, não me arrisco a prognósticos nem visões. Não me reconheço neste mundo que acordo e vivo, não pertenço mais a ele, fui expulsa do paraíso. 

Um mundo de errantes que se embatem, um mundo cindido por uma doença de todos que coloca umbiguistas e pluralistas uns contra os outros.

Um mundo onde generosidade vira sinônimo de histeria e egoísmo de desculpa de saúde pessoal.

Não sei se teremos um ano melhor.

Desculpem a falta de esperança. Ela voou para longe e não consigo alcança-la. 

 

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