Quando as histórias secaram ?
Andava em uma montanha russa na frente da sua máquina de escrever. Ia ao fundo de si, e saia voando, juntando letras borradas com lágrimas e sorrisos. Mas naquela manhã pálida,olhava-se no espelho, com um olhar diferente. Amanhecera sem uma história para contar. (Adriana Mayrinck)O vazio. Era um pouco diferente do branco que, como aprendemos na escola, é a junção de todas as cores do espectro. Quem dera dentro dela germinassem milhares de vozes, dezenas de sentimentos, algumas perguntas que levassem à elaborações mais ou menos complexas. Em vez disso, apenas o vazio.
Lembrou a infância para ver se, catando as peças do passado, pudesse reencontrar certezas esquecidas. Mas as memórias ficavam lhe olhando como se fossem velhas fotos desbotadas, que mesmo com roupagem de novos filtros tecnológicos, parecessem apenas velhinhos em roupas que não mais lhe cabem nas festas de faz de conta em que somos todos felizes, só que não, dos dias atuais.
Não era pena. Não era nem depressão que os comprimidos de B12 pareciam ter feito milagres na energia interna. Tudo enfim encaixado. Se não era uma super mulher, não era também aquela coisa amorfa que mal conseguia sair da cama e que respondia pelo seu nome e carregava seu RG.
Era em tudo ela. Mas ao mesmo tempo não.
Lembrou dos pasteis de vento da mercearia da esquina. Eram lindos e apetitosos por fora, carnudos como se fossem se derreter na primeira mordida. E sumiam no momento em que os dentes abocanhavam a massa. Não havia nada por dentro, apenas promessas que não iriam se cumprir.
Talvez a vida fosse isso. Apenas promessas perdidas no íntimo de cada um. Lera que mesmo quando nossa morte é decretada, nossa mente continua observando. Sentiu um terror gelado ao pensar em si mesma, sobre uma cama, alguém dizendo as palavras temidas: óbito às tantas horas. E a gente vendo tudo, ouvindo tudo. Querendo gritar que não, que estamos ainda aqui, querendo acordar daquele pesadelo. Até que alguém caridoso cerra nossos olhos e somos imersos na luz. Ou na escuridão. Depende da crença de cada um. Ou do merecimento, dirão outros.
Hoje se sentia um pouco assim. Um pouco morta por dentro, mas viva também. O corpo doído dizia que o tempo corria rápido, que o corpo se definhava. O sol lá fora gritava de vida. A mente teimava em se manter serena. Sem nada para opinar.
O mundo girava mais rápido. As tensões emergiam como ondas e queimavam tipo fogueira. E ela no olho do furacão. Caminhava para o matadouro com a calma bovina dos que aceitam seu destino.
Sentia falta da ligeireza das mãos e mente quando ainda achava que sabia lidar com as palavras. Quando detinha a mágica sintonia entre seu turbilhão interno e as sentenças que saiam dela como se nada mais tivesse importância.
Quando as histórias secaram?
Suspirou e bebeu água que o dia estava lindo e tudo o que não precisava era comiseração. Se a fonte tinha acabado, que fosse cavar em outros poços. Algum devia render jorros.
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