Vivo de maravilhosidades
Nasci com ímpetos de miragens.
Dizem que a sala escura, meio penumbra, as mãos ágeis e carinhosas da parteira se misturavam à música que tocava no quarto do hospital daquela pequena cidade do interior onde meu pai e minha mãe me aguardavam. E me tiveram.
A música que tocava? Tenho uma certa curiosidade. Um bolero, um tango, mais certo que fosse uma ópera da rádio Belgrano de Buenos Aires, a única com potência para chegar ali, nos ouvidos da menina que chorava.
Dizem que a sala escura, meio penumbra, as mãos ágeis e carinhosas da parteira se misturavam à música que tocava no quarto do hospital daquela pequena cidade do interior onde meu pai e minha mãe me aguardavam. E me tiveram.
A música que tocava? Tenho uma certa curiosidade. Um bolero, um tango, mais certo que fosse uma ópera da rádio Belgrano de Buenos Aires, a única com potência para chegar ali, nos ouvidos da menina que chorava.
O mundo me aguardava. Dele tinha receios. Sempre tive. Há quem diga que caí no banho nos meus primeiros dias e isso me marcou para sempre. Há quem diga que a xucrice era coisa minha desde sempre. Eram medos que nunca soube elucidar.
Mas...
Nem tudo eram temores. Havia o deslumbramento. Uma certeza interna de que a Vida se fazia de momentos incríveis, mesmo que nunca vividos para fora. Sim, nasci para maravilhosidades.
1. Maravilhosidade Refere-se à alguma coisa, pessoa ou sentimento extremamente maravilhoso (a), muito além de maravilhoso (a)Se havia um jeito de complicar o que todos julgavam simples, estes eu dominava. Mas tinha um trunfo já que aquilo que todos achavam difícil de lidar, isso eu encarava de frente e de peito aberto. Era a esquisita.
Dos amores queria plenitude. Não apenas de corpo que isso é o de menos. Queria orgasmos de alma, aquela sutil sintonia que separa a vulgaridade do êxtase. Sabia que existia. Sabia que valia a espera. Apenas sabia.
Que a vida passasse em suas sobrevivências. Que vivesse horas de mansidão. A fera que rugia dentro dela sabia que as jaulas são apenas um amontoado de ferros sem forma. Que ao menor sinal de inquietudes, bastava um olhar e um chamado e o milagre se fazia.
Vivia de maravilhosidades. Não bastava o bom. Tinha que viver o ótimo. A verdade que não se fala. A energia que se troca não importa a distância. O falar sem palavras. O sentir em conjunto. O tocar lá no fundinho da alma e do corpo. O desnudar de toda e qualquer vergonha ou pudor e se deixar ser.
Os rituais de sedução eram de todo fundamentais. Jamais ultrapassar um rumo. Jamais apressar a hora. Nunca fugir do momento. Sempre a sintonia. A liberdade de rir que bom humor sempre fora e será fundamental.
Vivo de maravilhosidades. Não abro mão delas como não posso abrir do ar que respiro desde que ouvi a música da rádio argentina e das mãos que me seguraram, naquele momento em que jorrei para o mundo, cheia de medos e de expectativas. E nunca mais parei de temer. Nem de expectar.
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