Santa do Pau Oco

Nasci em uma sexta feira santa.

Não sei exatamente a relevância disso. Talvez algum momento especial nas forças e energias que faz com que as pessoas nascidas na Sexta Feira que é dita Santa sejam também meio santas. 

Santa? Eu? Muito do pau oco com certeza.

Quem me vê com essa cara de professora primária jamais vai desconfiar do que faço para sobreviver. Nem você que me lê. 

Nascida e parida. Devidamente registrada. Crescida num lar normal. Ou quase. 

Não fora ter ficado órfã muito cedo e ter que sair ao mundo para ganhar a vida sem ter tido a chance de me preparar primeiro, tudo seria um script desses sem graça que grassam pela vida. Mas pensando bem, quem se prepara para a vida? Ela sempre nos surpreende e nos pega de jeito.

Mas não eu. 

Nascida numa Sexta Feira Santa já sabia com sabedoria uterina que teria um caminho de espinhos. Vai ser fodida pela vida, me diria o poeta.

Vai nada que herdei uma veia rebelde. Ninguém me fode. Não mesmo.

Se não tenho escolhas, tenho as rédeas. 

Meu lema. 

Aprendi cedo que a liberdade interna ninguém tira. A vida tenta. As pessoas chegam perto. Mas se você conseguir manter uma estrutura, mínima que seja, de sanidade e bom humor, não tem porcaria que te afunde. 

Nem sempre o que falo me aconteceu. De fato. Às vezes é pura imaginação. Outras o que parece de mentira é o que realmente vivi. Que cada um tenha a sua versão. Eu fico com a minha.

Sim. Crio minha versão da vida. Não são mentiras, são as verdades que deveriam acontecer ( acho que foi Quintana que disse isso).

Nasci numa sexta feira que era Santa. Me tornei especial também por isso. Ganhei uma chancela de dramaticidade que beira a magia.

Das magias de sobreviver? Domino.

Faço de um encontro uma oportunidade única. Recrio receios com coragens que não tive. Foi quando me aceitei que me tornei mais especial.

Ando pelas ruas sabendo que cada um que passa é também um ser nascido de maneira única. Nem tento imaginar suas histórias mas sei que dariam livros e livros de romances. Baratos. Comédias. Dramas. Alguns talvez corassem os mais sisudos. 

O meu romance imagino que ficasse naquela prateleira inalcançável aos menores. Aos puros. Aos ingênuos. Aos mesquinhos. Aos mau humorados. 

O que fiz, fiz porque queria. O que não fiz ainda, me mora como possibilidade. 

Se nasci numa sexta feira Santa, me resta uma redenção no domingo de Páscoa. Talvez quando enfim fechar os olhos. 


 

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