Das agruras de sentir conforme a Lua
As vezes se perguntava o que era ser mulher. Era mais que vestir rosa quando pequena ou sangrar todo mês desde criança ainda. Era mais que os não devias e os devias, limiar muito estreito que ouvia e seguia desde que se entendia por gente.
Era mais que abotoar uma blusa até em cima ou desabotoar de acordo com as circunstâncias. Era sem dúvida bem mais que ser bela em alguma etapa da vida e ser disponível para ajudar em outra.
Lá no fundo do seu ser se sentia mulher. Nem em outra encarnação, se existisse isso, queria voltar sem ser fêmea. Das agruras de sentir conforme a Lua, isso ela entendia. Mesmo que não tivesse parido, mesmo que não tivesse um macho para chamar de seu, ela sabia.
Que isso de nascer mulher não depende apenas de uma conjunção de combinações de óvulos e espermatozoides.
Mulher se criava nas sombrias e luminosas veredas dos universo, sob arranjo de deusas e anjas aladas que ruminavam antigas rezas para que de quando em quando, se gerasse na face do planeta terceiro daquele sistema de estrelas um ser que fosse em tudo apenas mulher.
Mas mesmo que se sentisse tão poderosamente mulher, tinha vezes em que era apenas uma garotinha carente. Dessas que caem na lábia de um lobo perverso. Desses lobos maus que a gente sempre acaba por se apaixonar porque em tudo mais interessantes que o caçador amigo.
Era uma vez um conto de faz de conta desses que se conta (e que talvez faça algum sentido se alguém não te interrompa, achando que teu trabalho de juntar letras pode ser retomado em um passe de mágica).
Era uma vez uma mulher que se sabia, que se sentia, que se amava
Vez que outra se desamava, se perdia,
Perecia
Era uma vez um conto sem ponto
Um esgar de coisas sem muito sentido
Colchas tecidas por mãos alheias
Costuras que a mulher teimava reconhecer
Era um conto de faz de conta
Uma louca desvairada
Um sapato perdido num canto
um mancha de rímel desbotada
Era um olhar cintilante
Era uma risada desbragada
Eram tantas coisas juntas, esmagadas, retorcidas
Era apenas um rascunho
Mas amanhecia
A festa terminava
E a mulher reinava no seu reino de agruras enluaradas.
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