Perplexidades

Elenara elegante

Minha alma canta Maria Rita no canal de música da TV a cabo. Logo seguido de Metamorfose Ambulante e vejo um Raul Seixas masterizado em um clipe do Fantástico dos anos do fim do século passado. Aliás a rebeldia dos anos 60 e 70 foi sendo encaixada, pasteurizada e vendida como produto. Não a toa estamos hoje nesse vácuo onde todos somos brilhantes e felizes, #SQN. As linhas de apoio dos psicólogos bombam, especialmente nos plantões de fim de semana onde, longe do trabalho diário, enfim temos tempo para nós. 
Quem somos nós?

Aquela velha opinião formada sobre tudo...um tempo de certezas parece tão distante de um tempo de informações rápidas e várias narrativas. A verdade corresponde ao guru da ocasião. 
Como conviver com o vácuo e manter a sanidade?

Depois de umas décadas dedicada a outros, me olho no espelho e tento reunir as peças de quem eu era. Antigas crenças sempre repetidas como mantra auto analisado, já não fazem parte da eu de agora. Tateio nas possibilidades de escolha para testar quais me fazem sentido. A liberdade tardia me fascina e ao mesmo tempo, me assusta. 
Quem sou eu, afinal?

Corro os olhos pela janela e vejo a cidade lá fora. Sons e cores que sempre me bastaram como universos a descobrir. Nunca foi preciso viajar de forma física já que viajo internamente desde sempre. Conseguiria viver reclusa, acredito. Gosto da minha companhia, mesmo nos dias em que não me suporto. 
Faria terapia novamente?

Uma pausa para mais um copo d'água. Já é o terceiro da manhã em um hábito saudável de hidratação corporal e mental. Deixo as palavras escritas e corro os olhos pela rede social de imagens naquele frenesi diário de saber o que ocorre, embora elas nunca informem com tanto conteúdo assim. Uma frase me bate no coração: 
“O quanto você consegue se encarar sem sair correndo?”

As palavras escritas sempre foram meu guia e desabafo. Eram fáceis e saiam jorrando como se alguém me ditasse. Eu mesma, quem sabe. Meu eu trancado em algum lugar que explodia tal qual garrafas com cartas jogadas ao mar. Hoje não mais. Olho, vejo uma página em branco e não sai. Não faz mais sentido escrever. 
Nada mais faz sentido?

Paradoxalmente estou mais firme. Alguém já disse que só crescemos de verdade quando perdemos nossos pais. Não importa em que idade. Quando somos nós em nossa imensidão e o mundo em sua vastidão. Acho que a Clarice já disse isso em Uma aprendizagem ou o Livro dos Prazeres, Por muitos anos meu livro predileto, aquele que me dizia verdades, aquele que me mesclava à personagem, aquele que eu poderia ter escrito se tivesse a maestria das palavras. Por muitos anos também sempre acrescentava uma palavra ao título. Se tivesse escrito seria uma aprendizagem amarga ou o livro dos prazeres.
 Ato falho? 

Talvez, nunca cheguei a fazer psicanálise. Nunca fui a fundo no mar das possibilidades. Sempre arranhei a margem da imensidão. Talvez por isso também fique com a resposta com que a Clarice fecha seu livro:
“eu penso o seguinte:”


Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

amantes eternos (divagações com a IA)

Das podas necessárias

Dos meus pertences