Passageira

Reflexões sobre a vida - mulher borboleta

Acordou angústias.

Seus olhos subitamente abriram. Assustada percebeu que era mais tarde que o usual. Maldita insônia, pensou. Faz com que o sono aconteça de forma parcelada. Umas tantas horas logo que adormecia. Outras tantas de olhos abertos no meio da noite. E enfim, um sono tumultuado, nunca descanso.

Levantou sustos apressados.

Tinha um horário agendado. Mentalmente fez as contas: tempo de preparo do café, tomada da refeição, exercícios diárias. Um tempo para pensar, abrir a casa, sentir saudades, reconhecer que enfim estava vivendo o que sempre temeu: viver só.

Sentou cabeça oca.

Criatividade antes tão amiga que saltava em tudo o que pensava, andava escassa. Tudo parecia sem necessidades de expor. Como se enfim a vida fizesse sentido por estar vivendo. Algo que sempre considerou sem emoção. Ou sentido. A hora marcada a chamou de supetão. Não tinha tempo para devaneios. Não estava tendo este tempo fazia muitos meses. Ou anos. Ou séculos. Que os tempos faziam uma dança de estranhamento dentro dela. Já não sabia com certeza onde os ponteiros. Por vezes eles giravam com louquidão. Por outras pareciam parados.

Olhou o tempo perplexa.

Dormiu e acordou inquieta.

Uma multidão de emoções, de rostos, de dores e confusões alheias e dela, assomadas/ reunidas/alquimizadas turbilhavam enquanto seu rosto, plácido, não transparecia quase nada. Onde aprendera a usar essa máscara de mansidão tão diversa do vulcão em erupção interno? Muitas vezes se sentia uma navegante por mares/céus/momentos estrangeiros. Observadora, nunca participante. Tinha aquela atitude polida de quem entra em casa alheia e usa de sutilezas para entender as regras. Notava espantada que muitos se acomodavam nos ambientes com mala e cuia. Saiam contando detalhes pormenorizados de vidas com a ousadia dos que voejam em torno de suas vidas. Achava isso peculiar. Ela nunca. Ou nem com todos. E mesmo nos espaços e mentes conhecidos, ia com parcimônia porque, ao menor sinal de resistência, recolhia velas e âncoras, voltando ao modo de viagem.

Permaneceu inerte.

Tudo no seu tempo, pensou. Talvez não fosse mesmo deste mundo. Talvez estivesse apenas de passagem. Como todos.

Suspirou e seguiu.

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