Escolhas

imagem gerada no seaArt

Escolho me deixar sentir neste dia meio nublado onde meu corpo reflete a dor de ter passado quase uma hora de pé, em uma lateral de teatro, para ver um espetáculo que valeu cada osso dolorido do corpo.

Escolho me deixar levar por uma leve melancolia que lembra de abandono e carências. Não como sentia antes, mas como elaboradas, digeridas e entendidas. Uma melancolia de isso enfim também me pertence como reconhecimento de mundo.

Escolho me hidratar, sabendo que cada gole que tomo, entra como seiva pelos canais competentes, todos ensinados por minha mãe, quando me dava comida. Ela explicava exatamente como funcionava o processo da deglutição, porque não podíamos falar e comer ao mesmo tempo, que a comida podia ir no canal errado. Como aquilo que mastigava ia para o estomago. Era lindo e instrutivo. Escolho lembrar disso até hoje. Que aprender e ensinar é antidoto para não saber escolher.

Escolho não ouvir vozes mesquinhas que, interna ou externamente, teimam em grasnar misérias de olhares desarmoniosos e desamorosos.

Escolho sofrer dores pungentes que me levem à (êxtases) absolutos e inocentes.

Escolho a inocência do sumir.

Escolho a opção doída e extasiante do escolher porque me foi dada este vislumbre do livre arbítrio. Mesmo com toda a responsabilidade que isso acarreta. A imensa e aterradora responsabilidade de caminhar pelo meu próprio sentir.

Escolho não ficar nos holofotes.

Escolho os bastidores dos que criam as histórias e não dos que levam os aplausos.

Escolho sempre e sempre, sonhar com o impossível, sabendo que dos caminhos se faz a vida.

Escolho amar. Mesmo me escondendo nas veredas. E me expondo com asas de cera ao sol que derrete orgulhos.

Escolho ver a luz no céu cinzento. Escolho sonhar com estrelas na noite escura. Escolho escrever e escrever, apenas por viver.

Escolho a hora de sumir e a hora de ficar.

Escolho minhas dúvidas e o direito de duvidar. E de não temer. E de tremer.

Escolho as saudades que quero ter.

E as quimeras do além, também as escolho. Com a sabedoria dos que se enxergam sem lantejoulas. E com a ignorância dos que se miram disfarçados de migalhas.

Escolho a hora de me doar. E a de me reter.

Escolho ser humana, mesquinhamente e miseravelmente humana, mesmo em terra de princesas. Escolho não usar rosa nem fantasias. Nem retoques no rosto. Nem pinturas de uma mocidade que ainda me mora por dentro.

Escolho porque não me resta nenhuma outra possibilidade de ser.


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