olho que tudo vê e escuta (divagações de um feriado)

 


Quinta feira que parece sábado em mais um feriado de Nossa Senhora dos Navegantes, ou simplesmente Navegantes como se diz em Porto Alegre. Dia calorento e enevoado. Desde ontem um abafamento que prenuncia tempestades. Só prenuncio por enquanto. Como as mensagens da defesa civil que pipocam no meu celular avisando de risco de tempestades. Esqueço que devem ser para várias regiões e que chuvas de verão, em geral, são localizadas. Então apenas sinto o bafo, me protejo como der. Me divido entre ligar o ar condicionado e temer a conta no fim do mês. Ou abrir a janela e me sentir mais perto do inferno.

Um feriado na quinta, em pleno verão, faz com que as pessoas sumam da cidade. Detesto este ar de fim de festa. Parece filme de faroeste quando o bandido vem e todos se escondem, fica apenas um cachorro sarnento e um galho seco que teima em correr pelo chão poeirento antes que os cascos dos cavalos entrem na cidade. Aliás detesto faroestes.

Faroestes. Abrasileiramento de Far west. Oeste distante. Assim como o verbo deletar e o realizar como sinônimo de cai em si. Gosto dessa diversidade Macunaíma da língua mãe. Ela abocanha o que lhe interessa e vai se ramificando em dialetos e novas palavras, sem que se faça muito alarde. A não ser que sejam inovações ideológicas. Aí um presidenta ou todes vira um não sei fim de debates acalorados que terminam, não raro, em quebra de pratos entre os debatedores. Nossa língua é passional, assim como nós, uma mistura extravagante de imigrantes que veio se apossar da terra brasilis onde os indigenas viviam em desfrute, algumas guerras e antropofagia, e soberania sobre a terra que lhes pertencia até alguns brancos chegarem em navios, impondo reis, credos e servidão.

Das ocas, abrigos quase efêmeros, passamos às construções várias, nessa arte que é a que mais nos distingue das outras espécies: a arquitetura. Erigimos. Construímos. Fazemos fogo e cozinhamos. Enterramos nossos mortos. Inventamos demarcações de terras e dedicamos esforços imensos, e até vidas humanas, para erguer mausoléus e templos.

Temos fé. Tanta que brigamos e matamos em nome de Deuses que vieram falar de amor. Aceitamos dogmas que fogem ao bom senso, mas é obvio que fé é assim mesmo: exige entrega. Assim como o amor.

Nesta tarde modorrenta de feriado, leio. A arte da escuta de Julia Cameron. Escutar não me tem sido uma tarefa fácil. Escutar com atenção, com foco, com plenitude. Escutar-me para escutar o outro. Por mais tranquila que esteja a tarde quente deste fevereiro que se inicia, é tempo de prenúncios na minha mente/coração. Reconstruir-me exige trabalho, atenção e determinação. E deleite de balançar na rede. E risada de brincadeira de criança. E vontade de acreditar na possibilidade de. E neste turbilhão calmaria que me encontro, rendo minhas homenagens à Gloria Maria, que foi um tanto de tudo o que se imagina de Vida e luta em uma mulher negra e talentosa neste país ainda tão desigual. Sinto um misto de tristeza pela falta de uma pessoa que marcou tanto a imprensa nacional, e uma imensa admiração pela pessoa que se permitiu. E com isso deixa em quase todos uma vontade de viver mais e melhor. Ave Gloria, que tua presença nesta terra sirva sempre de inspiração.

Migalhas de pensamentos para destravar a escrita que teima em permanecer escondida. Talvez esperando uma oportunidade de se deixar escutar.

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