Equilibrista de emoções

 


Eram horas de trotar pela vida pensou sorrateira no meio da tarde. Nublada tarde. Desses dias de nuvens encardidas e vento morno que dão nos nervos de quem tem alma sensível. Melhor rememorar momentos fugidios, olhar formas aleatórias, imaginar futuros possíveis ou apenas viver um presente inadiável.

Esses dias de resmungar energias perdidas e sentir cada mínimo perímetro do corpo. Cada músculo. Cada pesada sensação de desconforto como se precisasse de massagens múltiplas para colocar um pouco em ordem. Ventava. Mas tinha calor. A roupa apertava. O peito apertava. A saudade ? Essa doía mesmo que saudade é bicha danada, não tem pejo nem decência. Poreja ausências.

Nem tudo resmungos, é verdade. Tinham vontades enlouquecidas. Ou quase. Tinha risos desbragados, embora escondidos. Tinha raiva. Tinha medo. Mas tinha Vida que esta é chama poderosa e sinaliza feito farol mesmo nos dias enevoados.

Tinha um otimismo pueril. Desses de brincar de faz de conta em noites de tempestade. Desses de achar que tudo bem, que vai ter final feliz mesmo que tudo indique tragédias.

Tinha uma bandeira no mastro, teimosa no seu auriverde pendão de uma pátria sempre se descobrindo. Tinha avião pousando no meio da tarde nublada que sempre tem quem chegue na cidade que a gente acha nada mais a descobrir.

Tinham verbos desconexos. Palavras tentando fazer sentido. Frases querendo se amalgamar. Tinha uma revolução se avizinhando. Tinha tudo para recriar. Bastava apenas se encontrar.

Desculpa, mãe, pensava a jovem nem tão jovem enquanto suspirava tentando achar um mínimo de energia que a dignificasse. Não consegui ser a pessoa perfeita que seguia seus passos de fêmea sedutora e eficiente.

Desculpa, pai, pensava a mulher já grisalha, tentando juntar todos os cacos que lhe dilaceravam a alma com a perspectiva de continuar papéis que não lhe diziam mais nada.

Desculpa mundo, pensava a velha na cama enquanto respirava com dificuldade pensando que a vida se lhe esvaia como areia perdida na quebra de uma ampulheta.

Desculpa eu, por não seguir os impulsos, por cortar as veias, por matar a esperança, a raiva, a vida, a paixão.

Havia ainda em algum lugar um resquício de humana condição de levantar das sepulturas de vidas alheias? Havia uma porta a que passar e seguir novos/velhos caminhos de sobrevivência? Havia. O que faltava era a energia do fazer sentido.

Os minutos seguiam. Inflexíveis. Era como se o abismo estivesse cada dia mais perto e ela corresse para ele, de pés atados e mãos inertes.

As nuvens corriam nos céus. A vida parava no seu peito.

Confiar seria uma solução? Como se nada nela respirava com sabedoria.

Era pura tensão desmanchando ao leó. Talvez seus pequenos pedaços pudessem pairar em algum lugar do universo, pairando sobre, observando e tentando novos ajuntes. Talvez acertos.  



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