A gata de orelhas grandes

 

Seria um 12 de novembro normal aquele de 2009, não fosse por um detalhe. A Lady Gata.

Chegou toda embrulhada, cara assustada, barriga cheia de fome. Pura orelha. Era magra e curiosa.

Veio de trensurb, como chamamos o metrô de superfície aqui em Porto Alegre.

Não sabia que ela viria. Só eu. Era um segredo compartilhado por todos, inclusive pelos funcionários do prédio. Gateira desde pequeninha, não tinha gatos aqui em casa por motivos de alergia de minha auxiliar mais preciosa, a Lourdes. Era tipo ou eu ou os gatos. Quando meu irmão fez a mesma frase, décadas atrás, eu preferi os gatos. Minha mãe escolheu meu irmão. Ambos taurinos. Ele e a auxiliar. Deve ser uma sina astrológica era coisa de alergia a pelos.

Me contentava com os gatos do sítio. E todos os dias, sentava no sofá com minha mãe, na hora da novela que na época acompanhava e dizia: ah! se tivesse um gato aqui e agora!

Pois não é que essa gata, toda orelhas e fome, me veio pelas mãos da mesma Lourdes. Ela mesma cativada por cães em sua casa. Ela mesma tocada pela minha vontade de ter um gatinho em casa. 
Como a faxineira, a Leda, tinha uma gata que teve uma ninhada, elas combinaram que um seria meu. Guardaram este pacto entre elas por meses. Entre elas, meus pais, os funcionários do prédio e mais uma penca de gente que nunca me contou. Segredo bem guardado e cheio de carinho.

Naquele 12 de novembro, na hora do cafezinho, me chega uma pacotinho peludo, de olhinhos assustados e boca faminta. Se lambuza de leite, se esconde nas minhas pernas, cheira tudo na pesquisa felina de saber se o local é seguro. Não tinha nome. Só orelhas.

De lá para cá ela foi batizada, ganhou nome nobre, digno de gata que se acha. Ganhou apelido que ela reconhece mais que o nome oficial. Lady Pimpolha, mais conhecida como Popolha. 

Cresceu, virou gata peluda e aprendeu a miar com todas as tonalidades. Quando chego em casa, vem toda faceira, de rabo em pé, se revirando no chão para saudar. E reclamar da ausência. Faz olhar pidão e quase mia um não categórico quando digo que já comeu. 

Não vem quando quero. Mas já lambeu minhas lágrimas em dias de muita tristeza. 

Passou o tempo da brincadeira. 

Era termômetro da saúde da mãe. Se ficasse muito tempo sobre ela, já sabia que era coisa de se preocupar, já que ali precisava de energia. Eram delas os miados no quarto que meu pai deixou desocupado quando se foi. Ela entrava, miava e me olhava com olhar de procura.

A gata das grandes orelhas que cresceu. Companheira mais que nunca na pandemia.  Treze anos de convivência. Tão fóbica social como eu. Tão orgulhosa e carente como eu.
Ambas miando para o mundo e querendo compreensão. 




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