Como percebo a experiência de ler romances

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O ritual das leituras é como uma cerimônia para mim. Começa pelo primeiro olhar, a capa, a curiosidade sobre o enredo. Passa pela espera se é livro físico. É mais voraz quando ebook. Não sei se a rapidez compensa a sensualidade de receber um pacote, abrir a embalagem e começar a descoberta. É quase um ato de sedução que passa por entreabrir, sentir o cheiro, rasgar o involucro, passear com ele pela casa como que se descobrindo por osmose ou nos reconhecendo, livro e sua leitora.

Sim, porque ler exige uma tríade básica feita do autor ou autora, dos personagens e de quem lê. Cada um um mundo diferente que se engrandece com a participação do outro. Quem concebe faz uma catarse interna e jorra palavras, mas mais. Jorra seus insights, seus medos, suas coragens, suas verdades, suas mentiras. Suas ousadias. Os personagens parecem no início marionetes, mas não. Ganham vida, se tornam gente e muitas vezes combatem com quem os leva para o livro. Não raro ouvimos escritores falando sobre como o personagem começou a comandar e ele se tornou quase um intermediário de alguém que existe algures, em sua imaginação, mas mais.

E quem lê...

Aí é outra história. Ou nova história. Quem lê traça uma cumplicidade com a história e personagens que independe de quem escreveu. Vê facetas desconhecidas pelo autor. Sente emoções não pensadas. Dança uma roda que ganha vida própria, independente.

E como descrever ao autor suas impressões? Nada pior que ouvir de um leitor um gostei seco ou pior, não ouvir nada. O que também é dizer muito. Lembro de uma história familiar onde um tio, muito educado e sempre pródigo em elogios, foi apresentado ao filho recém nascido de amigos. O sorriso parou no ar, a criança, com todo olhar gentil, não era bonita. Ao contrário, era feia. Meu tio pensou rapidamente e não teve dúvidas: que nenê simpático, disparou! É o equivalente ao nosso que interessante, quando não sabemos muito bem o que dizer. Elogiar sem gostar é cabotino, como diria meu pai. Interessante se encaixa como uma luva nessas situações.

Muitas vezes o leitor gosta, mas não do jeito que o autor gostou. É um olhar diferente, um impacto de estranheza, uma emoção que o autor nem imaginou e que confronta personagem e criador. Diria até que esta é das situações mais instigantes. Lembro de um conto em particular em que detestei tudo, o enredo, o personagem, mas também fui me dar conta que a descrição da vilania estava perfeita porque despertou minhas reações mais virulentas. Não fui indiferente.

Esta sim a pior das reações. Nenhuma palavra. Nenhum retorno. O livro passa e não fica. Como tantas pessoas.

Durante muitos anos não li romances. Depois que entrei na faculdade e pela vida profissional, minha leitura era focada em livros técnicos e afins. Minha visão se tornou mais dura quando fiz meu mestrado e a metodologia científica se arraigou em mim como método e forma. Fui voltar aos romances muito mais tarde. Fui redescobrir a leveza de percorrer trilhas e jornadas que ficcionavam a realidade e me faziam viajar de muitas formas encantadoras.

Livros me pegaram, escrevi sobre eles. Não como resenhas profissionais mas como impressões de leitora. Meu momento atual não é mais de fazer isso. Não por enquanto. Quero ler por ler. Quero voar nas palavras como viajante que busca refúgio em dias cansados e turbulentos. Muitas vezes não sei o que sinto, se sinto, se necessito sentir. Percebo construções literárias, rumos diferentes dos mesmos autores em busca de novos desafios. Construções de frases que me encantam. Histórias que me apaixonam. Meu momento de leitora é de degustar. Sem passar adiante as sensações. Que cada um estimule as suas gulas e buscas. Eu sigo as minhas e me empanturro de sensações e descobertas.

Os romances e principalmente os escritos por mulheres, me ajudam a perceber o mundo onde vivo por outros olhares, por outras criações. E isso é absolutamente fascinante e altamente criativo em termos de abastecimento de alma.

Comentários

  1. Adorei, Elenara! Me vi representada. Para mim, ler também é um ritual que tem aspectos muito concretos: gosto de tocar e cheirar os livros. Talvez isso explique minha dificuldade com e-books. E acho que é isso mesmo: os livros nos ajudam a perceber o mundo em que vivemos através de outros olhares! Parabéns pelo belo texto!

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