Chuvas suaves já chegaram

Chove miúdo. 

Da janela vejo os escombros onde antes havia um prédio. Incendiado, foi implodido. Apenas uma parede ficou de pé. Sobreviveu aos impactos dos explosivos e aos três sucessivos temporais que castigaram a cidade naquele mesmo dia. Me lembrou o conto de Ray Bradbury, em Crônicas Marcianas. Após um ataque nuclear, restaram em uma casa, sombras dos seus habitantes e bichos de estimação, robôs que faziam e desfaziam tarefas para pessoas que já não existiam. E uma única parede. 

Pixabay

Chove mais grosso. Me lembra minha mãe que se debate entre a vontade de viver e o cansaço de um corpo de mais de nove décadas. Cada dia é um desafio. E uma conquista. A chuva me lembra um de seus livros favoritos. Confesso que vivi de Pablo Neruda. Ele contava da infância vivida em Temuco. Uma cidade de mineradores no Chile. Chovia 365 dias do ano por lá. Acho que era tudo isso. Pelo menos me pareceu. Uma cidade cinza, molhada, triste. Onde a única salvação era escrever poesias. Ou morrer. 

Talvez a poesia realmente nos salve. Assim como a chuva que irriga a terra, lava suas/nossas mágoas, faz germinar sementes que florescerão em novas frutas e flores. 

Talvez nossa alma também precise desse tempo de liquidezes, de água jorrando dos céus, de nuvens carregadas e limpantes. 

Talvez precisemos nos limpar de tudo o que não nos serve mais.

Talvez precisemos aguar. 

Novamente. 

E sempre.

Comentários

  1. Que texto, Elenara! Triste e verdadeiro como a beleza. Beijo. Helena Terra

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    1. Obrigada, Helena, mesmo nome de minha mae, com uma sensibilidade muito parecida. ❤

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