Nuvens são poesia no ar

nuvens

Para descrever as nuvens
eu necessitaria ser muito rápida —
numa fração de segundo
deixam de ser estas, tornam-se outras.

É próprio delas
não se repetir nunca
nas formas, matizes, poses e composição.

Sem o peso de nenhuma lembrança
flutuam sem esforço sobre os fatos.

Wisława Szymborska

Gosto de olhar nuvens. Nunca são as mesmas, ficam brincando de fazer bale no céu. Há até um fenômeno chamado de Pareidolia, que faz com que nosso cérebro tenda a reconhecer imagens familiares em formas. Meu pai tinha muito disso, nos seus últimos anos. Sua mente brilhante e analítica tentava fazer sentido em uma vida que lhe fugia em esquecimentos e perdas da autonomia que sempre lhe foram tão caras. Tem nome para isso também: Heteronomias. Olhando bem, deve ter nomes para tudo na língua portuguesa. Pena que a estamos simplificando tanto que nos comunicamos por hieróglifos modernos. Carinhas que simbolizam alegria, espanto, tristeza. Nem se precisa de muitas, tão líquida está nossa vida. Talvez sem significados.

As nuvens não. São transitórias, mas carregadas de significados. São sempre novas. Umas vezes brincalhonas, outras assustadoras. Caminham em bando. Poucas vezes solitárias. Umas tantas empedradas. Outras são fios. Nos dias de festa se enfeitam de cores, como se quisessem nos brindar com sua essência de ser apenas passageiras.

Nós não. Queremos ser eternos. Queremos marcar com algo nossas passagens. Queremos deixar substância, lançar âncoras, cravas dentes, rugir gemidos, fincar sangue. Nós queremos aquilo que as nuvens tem, mas sem sua leveza. É como se quiséssemos o instante captado, clicado, instagramado. Deixamos nossas marcas diárias, como se fizesse alguma diferença em um mundo tão cheio de informações e carente de substâncias.

Mais fora fossemos tal qual nuvens. Bolinhas de algodão como eu imaginava quando criança, quando queria viajar de avião para abrir a janela e as pegar com a mão. No fundo queria saber qual o seu mistério, qual o seu segredo, como eram feitas. Um dia li ou vi, não lembro direito, uma nuvem que se arremeteu sobre um monte, o cobriu com seu véu de lágrimas, o deixou cinza e úmido. Depois se foi. O sol voltou a reinar. E foi como se nada nunca tivesse ocorrido. Não fosse pelas gotas qual arco-íris nas pegadas do chão, nas folhas, nas flores, na memória de quem viu.

Talvez eu seja um pouco como elas. Passando na vida, meio etérea, meio permanente. Uma hora sou um urso panda para algum olhar distraído. Outras um furacão que se derrama e parte. Em outras apenas um punhado de vapor que brinca de se fazer imagens em algum céu do planeta.

Um dia vou desaparecer em uma química transformação que me levará a fazer parte de outras nuvens. Ou talvez do grande oceano cósmico. E eu que sempre me imaginei só, vou acabar descobrindo que faço parte da união de todos. E compreender que somos poesia em passeio na vida.

  


 

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