Aprendiz de Eva



elenara elegante

Tem uma língua que eu falo ou que fala para/por mim em todas as línguas. E essa língua, eu sei, eu não preciso acessá-la, ela surge de mim, ela me inunda, ela é o leite do amor, o mel do meu inconsciente. A linguagem que as mulheres falam quando não tem ninguém por perto para corrigi-las. Hélène Cixous

Que linguagem falam as mulheres?

"Isso não é jeito de menina sentar" diz minha mãe de 96 anos, ao me ver sentada com aquele jeito que minha professora de Pilates recomenda nunca fazer, por outras razões. Agora achei fofo o que antes me incomodava. 
Lembro de ser aquela guria quieta e questionadora interna das justezas do mundo. Não era moleca, não era princesa. Me incomodava ter um mundo aprendido como de menina, com regras, cores e deverias. 

"Não senta assim, não ri assado. Não xinga, não pensa o mundo como casa, mas sim a casa como o mundo." 
Por que repressões que meu irmão não tinha? Por que não um mesmo modo de ser e vivenciar os mundos, internos  e externos, com a potência e escolha de cada um?

Sou uma mulher de quase 65 anos. Profissional, solteira, sem filhos. Nem foi escolha consciente, a vida foi-se fazendo assim. Há pouco descobri que sou o que chamam de demissexual.

Que ou quem apenas sente atração sexual por alguém com quem estabeleceu uma relação emocional ou afetiva. "demissexual", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa 

Nem sabia que isso não era o normal. Das aprendizagens de Eva, sempre me pareceu coerente que a chama da paixão surgisse premente como uma união de mentes. Aliás como criação, amizades, escritas. 

Só faz sentido se tiver sentido.

É engraçado olhar o mundo com a visão de quem não pariu. E nunca sentiu aquele chamado tão aclamado de ser mãe. Nunca me soou verdadeiro gerar alguém para satisfazer um chamado interno. E sim como uma consequência de um encontro de energias fantástico e harmônico. 

Das falas de Eva, agradeço aos meus pais nunca terem me condicionado com a noção do pecado. Agradeço à visão ética de vida que me deram. A liberdade de pensar e questionar. 

Mas também sei que os papéis que me eram esperados emergiram como contidas amarras que custavam muita energia para soltar. Uma energia que poderia ter sido poupada para outras lutas. Estas outras muito mais necessárias.

Das lições que a Lua me trouxe dos chamados uterinos, carrego uma convivência contraditória com o meu corpo. Por um lado a pressão social de uma beleza segundo padrões de fora que me faziam um pião de emoções desde antes da adolescência. Por outra, uma normalidade com os mistérios de sangrar todo mês. Menstruei com dez anos. Brincava de bonecas. Deixei de sangrar aos 52. Sempre com uma normalidade que me mostravam gostar de ser mulher. 

Conselhos para mulheres mais jovens? Digo que o que importa é saber o que vem do coração, respeitar suas escolhas. Não apressar o tempo. Não esperar demais. No resto faço como aquela cartunista que foi primeira dama, Nair de Tefé, ao ser indagada em um entrevista, já bem depois dos 90 anos: "Que conselhos daria às jovens de hoje?" perguntou a repórter à senhora que sempre foi tão inovadora. "Conselho? Quero mais é aprender com elas"

Quero aprender com as falas de Eva que surgem e brilham. As que vivem nas sombras. As que escolhem. As que trilham seus caminhos, junto ou sós. As que parem. As que não. As que vivem os aprendizados de ser Eva, Lilith, mulher.

     
Desobediência
Sou feita de muitos
nós
desobediência e meio- dia
Sou aquela que negou
aquilo
que os outros queriam
Disse não à minha sina
de destino preparado
recusei as ordens escusas
preferi a liberdade
e vivo deste meu lado
Maria Teresa Horta

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