Portas que se fecham, janelas que se abrem


15 de março de 2020. 

Lembro bem desse dia. Foi quando sentimos que a pandemia tinha enfim chegado até nós e fomos paulatinamente nos trancando em casa. Nem todos, é verdade. Uns por gosto, outros por absoluta necessidade, continuaram nas ruas que eram quase de ninguém. 

Em tudo foi um ano atípico. Ter todo o tempo do mundo para curtir a casa não me fez absolutamente bem. Não li o que deveria, não fiz o que planejei. Não faxinei, não dispensei. Não joguei fora. Mas assisti séries e ouvi muita música. Acabei um livro de histórias familiares. Fiz cursos e convivi pelas telas.

Há momentos da vida que nos exigem paradas. São as janelas que olhamos, achamos belas ou feias, mas tendo portas para sair, as deixamos de lado. É quando as portas se fecham que as janelas adquirem sua importância.

14 de novembro de 2020.

Ouço Cida Moreira enquanto organizo os projetos. Vivo de projetar. Literalmente já que arquitetar desde sempre foi meu afazer de vida. Projeto lindos sonhos alheios. Às vezes projeto os meus. Nem sempre. Nem tanto quanto deveria.

Inútil dizer que foi um ano em que todos mudamos. Foi um ano em que nos acentuamos. Ninguém se tornou melhor ou pior, apenas diferente. Quem era egoísta, continuou a usar o seu umbigo de parâmetro. Quem era altruísta, mais que nunca pensou no próximo. Quem era de ação, agiu. Quem era de mágoas, quem era de amores, quem era trocas ou sozinhezes, todos construíram suas teias de segurança no meio do caos.

21 de novembro de 2020

Quase 170 mil mortos. Oficiais. Mas parece que não. As ruas estão cheias e, se não fossem pelas máscaras, se diria que a vida retomou seu ritmo normal. As lojas se enfeitam para o Natal, eleições ocorrem com carreatas, jogos com comemorações. Famílias saudosas se reúnem em beijos e abraços, há muito contidos. E o vírus se espalha.

Vírus também dos pré conceitos, dos trabalhadores que matam outros trabalhadores para salvaguardar o patrimônio de outros. Carregam dentro de si a raiva da vida, das faltas de oportunidades, da omissão, da chave da senzala. O capitão do mato devia se sentir poderoso em sua missão de caçar irmãos. Sobrevivência que chama? Quando já nem é preciso ter grades e chicotes, que a opressão se faz de conceitos e verdades que não são questionadas.

Todos quietos, ordeiros e ativistas de redes sociais. Os que saem às ruas e teimam em gritar sua indignação, são taxados de vândalos. Mas se muda realmente alguma coisa sem quebrar ovos ou regras?

Perguntas tantas que me faço olhando as janelas já que as portas ainda me são fonte de perigo. Mais que externas, são dentro de mim que correm vírus de desesperança no nosso futuro como sociedade viável.

Mas...a ponta de esperança sempre grita que as reais mudanças são maiores que o ciclo de nossas histórias pessoais. Resta-me o bom humor, a ironia, o escrever cada vez mais raro porque tão sem sentido parece. Resta-me sobreviver criando belezas que é meu ofício de escolha. Minha pontinha de luz nesse mundo que teima em amanhecer dias azuis e ensolarados, mesmo após negras tempestades de violências e ódios.

Oremos. E vamos à luta.     

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