Helena Stein Stoll, a professora

Quando Helena Stein nasceu em 18 de agosto de 1888, seus pais já estavam morando no Brasil há quinze anos. Era a caçula de uma turma de doze filhos de Nicolau Stein e Anna Maria Wintrich Stein, imigrantes de uma Prússia empobrecida que procuravam novos caminhos no sul do Brasil. A menina loira, de bochechas rosadas, tinha apenas uma semana de vida quando foi batizada pelo padre Theodor Amstad, na Capela de São Miguel, em São Sebastião do Caí, no interior do Rio Grande do Sul. Seus padrinhos foram Jacob Junblut e Magdalena Stroher.

Theodor Amstad era suíço e tinha apenas 37 anos. Auxiliava nas colônias alemãs com seu português ainda periclitante, percorrendo as localidades mais afastadas da sede da paróquia de São Sebastião. Mais tarde teve importante papel no cooperativismo brasileiro, sendo considerado seu patrono por lei.

A educação dos filhos era uma preocupação dos colonos alemães. O português era uma língua estranha para eles, que falavam um dialeto moselano, e que aos poucos ia sendo modificado na nova pátria. Em geral as pessoas mais instruídas nas suas comunidades se ocupavam da formação dos mais jovens e crianças. Educação e religião eram questões fundamentais para os alemães. Seu irmão mais velho, Bartholomeu, já professor, tinha proposto que se trouxesse padres maristas para promover o aprendizado dos mais jovens. Uma de suas ocupações foi ser diretor do Colégio Distrital de Taquara, então uma bonita vila, com ruas largas e comércio avultado. Para lá levou sua pequena irmã, Helena, que já demonstrava grande capacidade de aprender e muita vontade de ensinar. Em agosto de 1903, quando estava completando 15 anos, foi escolhida para saudar o presidente do Estado, Dr Borges de Medeiros e sua comitiva na viagem de inauguração da ferrovia Taquara — Novo Hamburgo. No ano seguinte, em nova visita do presidente à cidade, Helena mais uma vez teve a oportunidade de saudar o ilustre visitante e oferecer-lhe mimosos e artísticos bouquets de flores, segundo noticiava a imprensa local.

Em 1905, já formada, presta concurso para lecionar em escolas rurais e em 1906 é nomeada para trabalhar na linha Onze, em Guaporé.

Conhece um jovem professor, de olhar altivo e mente arguta. Apaixonam-se e, em 1907, ela e Ignácio Frederico Stoll, que morava em Estrela (RS), participam seu casamento. Ele com 30 anos e ela com 19. Casam-se na Matriz do Menino Deus, em Porto Alegre em 28 de setembro. O noivo era filho de João Stoll e Maria Luiza Allgayer Stoll. Neste mesmo ano pede para ser transferida para Linha Azevedo Castro em Garibaldi, onde seu marido era vice intendente e trabalhava como inspetor escolar da 17 região que compreendia Garibaldi e Bento Gonçalves.

Em 1908 nasce sua primeira filha, Maria de Lourdes, em São Leopoldo. Helena é removida para a colônia de Triunfo, em São Jerônimo. Detalhe interessante é que o governo pagava o aluguel da casa da professora.

Uma tristeza marca o ano de 1909. Morre sua mãe, Anna Maria Stein, em Escadinhas (RS), com 62 anos. Foi uma enfermidade curta, mas bastante grave que a levou. Deixou 11 filhos ainda vivos e 34 netos. Seu convite de enterro ressalta que“ foi uma mãe cristã exemplar e um modelo para toda a família no cumprimento dos deveres religiosos.”

O casal Stein Stoll muda-se para Encruzilhada do Sul em 1910. O município era governado pelo Padre Manoel Pacheco de Andrade. Seu marido Ignácio era um dos três professores que lecionava no recém-inaugurado Colégio Elementar (futuro Grupo Escolar Borges de Medeiros). A escola tinha 80 alunos e os outros dois professores eram Valdomira Dornelles Porciuncula e Gomercinda Dornelles da Fontoura. Neste ano nasce seu filho Lauro, em 27 de outubro.

Em março de 1912 mudam-se para Lavras, RS. Maria Luiza, sua terceira filha, nasce neste ano em São Leopoldo, RS.

Em 1914 são testemunhas do casamento de seu irmão José Stein, um ano mais velho que Helena, com a senhorita Gasparina Francisca de Quadros, em Dom Pedrito. Gasparina era filha de abastados criadores da região, sendo descendente por parte de mãe dos Simões Pires. João era próspero comerciante na cidade. Logo nasce Noêmia, sua pequena sobrinha. Alguns anos mais tarde, seu irmão Bartholomeu e família viriam morar na Coxilha de São Sebastião. Eram bons anos e a família estava, de certa forma, novamente mais unida e próxima.

Tanto ela como o marido são profissionais e cidadãos atuantes. Helena se torna a primeira presidente do Grêmio Lavrense, uma célula da Aliança Feminina de mães cristãs, uma organização autônoma e independente, para difusão da fé católica. Aqui vemos trecho de uma de suas cartas que é reproduzida em reportagens da imprensa carioca, no jornal A União, em 1919, pela organizadora Amélia Rodrigues:

“Querida patrícia, desejo que V... inclúa meu humilde nome no ról das que formam a “Alliança Feminina”. Desde já prometto trabalhar na propaganda da nossa legião que altiva como guerreiros de Christo, espero, entrará resoluta na linha de fôgo contra a corrupção que ameaça tudo assoberbar: Patria, família, virtude christan.... Seria um crime de lesa patria cruzarmos os braços deante da furia do vendaval de infamia que ruge o seu humano hynno de triumpho universal....aqui estou no meu posto, esperando ordens que serão executadas fielmente ainda que sejam as de subir à mais alta montanha de sacrifícios. Com Deus e ávante, da humilde patricia Helena Stein Stoll”

Em outra carta coloca ideias sobre ações práticas:

“Já troquei idéas com o novo vigário sobre o modo de agir da Alliança. Creio que a primeira batalha (pacífica) será contra a ignorancia e pretendemos fundar uma aula para mocinhas pobres. Instrucção, muita instrucção, precisa a nossa bemdita terra. Mais instrucção e menos canhões, devia ser a directriz de nossos pró homens. Helena Stein Stoll”

A Aliança Feminina lutava pelos valores católicos, grande preocupação de sua família. Talvez as lutas religiosas na terra mãe, Alemanha, explicasse o temor que tinham da fé protestante, alvo de muitas críticas por difundir a leitura entre os jovens. Outro de seus alvos era o feminismo, luta das mulheres pelo direito ao voto. Outros tempos, outras lutas.

Há que se compreender o contexto em que as crenças são formadas e que levam às lutas pessoais pela vida afora. Quando houve a unificação em 1871, os católicos eram minoria no Novo Império Alemão. O chanceler Otto von Bismarck lança então uma guerra cultural contra o poder papal e a Igreja Católica. É conhecida como Kulturkampf . Era 1873, ano em que os pais de Helena partem para o Brasil. O peso que essa perseguição aos católicos teve em sua decisão, não se sabe. Os católicos eram maioria na região de onde vieram. As aldeias eram geralmente da mesma religião e havia pouca tolerância entre interação, convivência ou casamento com pessoas de outras religiões. Em particular havia uma animosidade entre protestantes e católicos, tanto que a sobrinha Helena, que recebeu o nome em homenagem à tia professora, lembra de ter ouvido de seu pai Bartholomeu, já moribundo, o pedido que não se casasse com um rapaz que não fosse católico.

Helena e família moram em Lavras até 1921, quando então se mudam para as Minas de Camaquã, em Caçapava do Sul.

Em 1924 perde seu pai, Nicolau Stein, com 82 anos, que morava em Cerro Azul, RS. Seu irmão João já havia morrido anos antes, restando enlutados 10 filhos, 70 netos e 18 bisnetos. O Reverendíssimo Padre Wolter encomendou o corpo de Nicolau com consoladoras palavras junto ao sepulcro.

Em 1926, ano em que o casal pede licença para tratamento de saúde de familiar, fazem parte do primeiro corpo docente como professores no recém-inaugurado (07/04/1926) Grupo Escolar de São Lourenço do Sul. Provavelmente a licença fosse para tratar do seu filho Lauro que teve tifo, passou muito mal e quase morreu, sendo tratado pelo irmão mais velho que era médico, Dr Bartholomeu Stein. Lauro já cursava o Colégio Militar e o tifo naquela época era uma doença muito grave, pois não havia antibióticos. Bartholomeu o tratou com muito amor e com os recursos de que dispunha, conseguindo salvá-lo. Segundo relatos da Flávia Stein, sua sobrinha, o menino “passou muito mal, perdeu até o cabelo com a febre muito elevada, era uma doença terrível e muito temida. Quando ele levantou, o Pai levou-o para nossa casa, para fortalecê-lo e curá-lo completamente.”

Anos mais tarde são transferidos para Passo Fundo, RS, onde lecionam. Ali recebem a afilhada Flávia que vai morar com eles com o intuito de se formar em magistério.

“Não deixes esfriar o entusiasmo de tua nomeação, pois sabes que o fogo quando não se atiça, ele apaga.” Helena escreve esse conselho para sua afilhada Flávia, em carta de 1937, após a morte da cunhada Doralice, viúva de seu muito querido irmão Bartholomeu, morto em 1934. Termina a missiva dizendo que estava “sempre pronta para amparar quanto me é possível, a um e outro ainda menos confortado do que eu. Brevemente espero carta tua, mas não retórica e sim como a minha que saiu mais torta que nunca.”

Em outubro de 1939, em carta felicitando a afilhada pelo aniversário, escreve: “Flávia, aqui sempre rezo por ti e teus queridos irmãozinhos. Em tempo irá uma lembrancinha e algumas roupinhas para o enxoval do futuro “neto”. Espero que Deus te proteja e que sejas muito feliz. Espero que o bebê chegue no dia 20 de Janeiro1. Escreve-me seguidamente, Flávia, pois bom podes fazer idéia da grande alegria que sempre experimento, e todos nós, com tuas cartinhas. Não repares quando não te escrevo, não quer dizer que seja falta de “bem querer”.” 20 de janeiro era a data de aniversário do querido Bartholomeu, avô do pequeno Paulo Clóvis que não esperou e nasceu antes.

Em 18 de dezembro de 1965, já morando em Porto Alegre, morre Helena Stein Stoll. Três anos depois morreria seu marido Ignácio. Deixa de herança uma imagem suave que contrastava com a sisudez de Ignácio e sua famosa bengala que trazia temores aos sobrinhos. Mas não para ela que o conhecia na essência e sabia que manter a ordem fazia parte da estirpe alemã de ensinar o dever.

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