Caindo a ficha
Parece que foi no meio de março que a vida mudou. Não lembra direito, faz tanto tempo que não vê ninguém ao vivo. Os contatos são pelos meios digitais, já participou de mais festas e viu mais lives que em todo tempo de antes.
Lembra de que sentiu um premonição. Se fez mais ardente no ultimo beijo, se fez mais meiga no último abraço.
Depois o medo.
As notícias desencontradas. As brigas de poder.
As mortes.
Antes só especulação.
Mesmo assim os cuidados. Quase compulsivos.
Lava a mão, se entope de álcool gel. Grita com quem entra de sapatos.
Fica quase pelada ao voltar da rua.
Vai deixando de ir.
Pede tudo pelo telefone.
Primeiro lava tudo, alguns deixa de molho uns três ou quatro dias antes de consumir.
Nunca gastou tanto.
A internet se tornou refúgio.
Chorou e brigou com gente que não estava nem aí. Tão trancados como ela, que eram todos do grupo de risco.
Duas semanas de medo de andar nas ruas pelo movimento deserto.
Só o barulho das ambulâncias cruzando.
Depois, aos poucos a vida voltando a nascer.
Ela toda de máscara, luvas e cara de doida, sentindo que essa era a realidade de poucos.
O TOC já dentro dela.
Lavar, lavar, lavar.
O beijo não mais.
As rotinas se fazendo em casa. Tentando se acostumar que a gente é bicho camaleão, se adapta para tudo.
Tem os que acreditam que Deus, algum deles, quis assim.
Outros em conspirações ideológicas.
Um doido comparou a uma gripezinha.
Uma gripezinha que parou o mundo.
Adiou Olimpíadas.
Sabem bem o que é isso? Olimpíadas que só pararam com a guerra.
Uma guerra.
E a vida quase normal lá fora.
Só uns poucos continuando a se isolar.
As mortes chegando.
A gente meio Cassandra, tentando sobreviver escutando Don Quixote na Música Antiga de Bremen.
O tempo de antes parecendo uma coisa tão longe, perdido nas lembranças que a gente nem sabe se aconteceu de verdade. Teve mesmo um tempo em que a gente se abraçava em medo?
Cada dia um fato novo.
Se pega no ar, fica no semen, se cura com isso, se previne com aquilo. É pulmonar, é vascular.
A única certeza, ninguém sabe o que é.
Um dia o telefone toca, caí a ficha e a vida volta a rodar como se fosse dada a corda de novo.
Um dia...
Lembra de que sentiu um premonição. Se fez mais ardente no ultimo beijo, se fez mais meiga no último abraço.
Depois o medo.
As notícias desencontradas. As brigas de poder.
As mortes.
Antes só especulação.
Mesmo assim os cuidados. Quase compulsivos.
Lava a mão, se entope de álcool gel. Grita com quem entra de sapatos.
Fica quase pelada ao voltar da rua.
Vai deixando de ir.
Pede tudo pelo telefone.
Primeiro lava tudo, alguns deixa de molho uns três ou quatro dias antes de consumir.
Nunca gastou tanto.
A internet se tornou refúgio.
Chorou e brigou com gente que não estava nem aí. Tão trancados como ela, que eram todos do grupo de risco.
Duas semanas de medo de andar nas ruas pelo movimento deserto.
Só o barulho das ambulâncias cruzando.
Depois, aos poucos a vida voltando a nascer.
Ela toda de máscara, luvas e cara de doida, sentindo que essa era a realidade de poucos.
O TOC já dentro dela.
Lavar, lavar, lavar.
O beijo não mais.
As rotinas se fazendo em casa. Tentando se acostumar que a gente é bicho camaleão, se adapta para tudo.
Tem os que acreditam que Deus, algum deles, quis assim.
Outros em conspirações ideológicas.
Um doido comparou a uma gripezinha.
Uma gripezinha que parou o mundo.
Adiou Olimpíadas.
Sabem bem o que é isso? Olimpíadas que só pararam com a guerra.
Uma guerra.
E a vida quase normal lá fora.
Só uns poucos continuando a se isolar.
As mortes chegando.
A gente meio Cassandra, tentando sobreviver escutando Don Quixote na Música Antiga de Bremen.
O tempo de antes parecendo uma coisa tão longe, perdido nas lembranças que a gente nem sabe se aconteceu de verdade. Teve mesmo um tempo em que a gente se abraçava em medo?
Cada dia um fato novo.
Se pega no ar, fica no semen, se cura com isso, se previne com aquilo. É pulmonar, é vascular.
A única certeza, ninguém sabe o que é.
Um dia o telefone toca, caí a ficha e a vida volta a rodar como se fosse dada a corda de novo.
Um dia...
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