Sonhos impossíveis no reino de Alice

"Ora, às vezes acredito em seis coisas impossíveis antes do café da manhã." - Alice no Pais das Maravilhas

Mesmo eu que tenho fobia social, fico inquieta com a quarentena voluntária. Não vou deixa-la. Só em casos absolutamente indispensáveis. Até porque estou dentro do chamado grupo de risco (hipertensa, mais de 60 anos).

O sono tem sido escasso há uma semana. Não consigo me concentrar. Nem ler. Minha caixa postal entupida de informações. Umas relevantes. Outras com a profundidade do parâmetro pânico ou com a passividade dos incautos.

Temo.

Temo pelas pessoas que amo que são bem mais velhas. Pelas pessoas que amo que tem problemas de imunidade. Temo pelas pessoas que desconheço pelas mesmas razões. 

Temo pelas pessoas que não podem guardar quarentena. E pelas que trabalham nos salvando.

Temo. E sei que este temor se ficar muito grande acaba por abalar minha imunidade.

Então vou ter que trabalhar a mente.

Não apenas tentando ler, ver filmes, visitar museus virtuais, escrevendo e conversando virtualmente com as pessoas.

Mas respirando e acreditando em coisas impossíveis no momento. Fazendo minhas aulas de alongamento do Pilates que a professora disponibilizou em vídeo. E comentando com os colegas.

Buscando opções de compras online. Oscilando entre a necessidade de cuidados com a mãe a os cuidados com os cuidadores. Mas sabendo que não dou conta sozinha. 

Tentando pensar em um outro mundo possível para depois.

Não, não pensando no depois. Apenas vivendo o momento, cada dia como se apresenta.

Talvez saia mais forte. Talvez até nem consiga sair porque a fobia social se acomoda no aconchego da casa. 

Tentando não absorver todas as notícias, todas as paranoias, todos os medos. Focalizando no bom que se revela.

Tantas notícias lindas no meio do caos. Pessoas pagando aluguel das outras. Se oferecendo para ajudar quem não deve sair de casa. Ligando para os velhinhos que estão sós, nas casas de repouso ou em suas casas. Rezando e orando pela cura, pelos médicos e toda a equipe de saúde. 

As pessoas se revelam nesses momentos. Os que tem generosidade como ação e não teoria são a maioria silenciosa que passa por cima dos que roubam álcool gel, seja dos locais onde trabalham, sejam abastecendo mais do que deveriam, dos que pensam em si antes de tudo.

Sairemos dessa sim. Com solidariedade e com ação coletiva. São as políticas sociais, a saúde pública, a ciência, os pesquisadores, os voluntários e todos que pensarem no todo que farão realidade as coisas impossíveis que pensamos antes do café da manhã.   


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