Julieta - a rainha sonhadora


O brilho do espelho ao longe fez com que Julieta desviasse os olhos dos céus e voltasse à realidade. Morava no meio do mato, uma verdadeira grota para ela, criada que fora na capital. Ideia mais louca do Doutor.

O Doutor era seu pai. Parecia tão mais velho que sua mãe. Suas botas e roupas claras lhe davam um ar bonachão que contrastava com o sotaque carregado alemão que teimava em sair de sua boca, malgrado o tempo de vida no Brasil. Viera muito pequeno, falava vários idiomas, era tradutor juramentado. Fora professor e enfim se formara em Medicina. E viera parar naquele fim de mundo só para ajudar quem dele precisasse. 

Os pequenos até gostavam dos banhos de sanga, de não precisar frequentar a escola e das frutas colhidas no pé. Não ela. Enquanto ajudava sua mãe nas costuras, seu pensamento voava. 

-"Vou morar no Rio de Janeiro" dizia para as irmãs mais novas. Dava de ombros com as risadas delas.

-"Sonhadora" gritavam às suas costas!

Julieta erguia o queixo e as calava com o olhar de majestade que tinha desde menina. 

Enquanto não saía daquela prisão, lia e namorava. Para isso servia o brilho do espelho. Era a troca de mensagens que avisava que seu pai tinha passado pela propriedade do vizinho e que este, tão cobiçado, a esperava perto da sanga.

Ahhh, quem nunca teve dezesseis anos e sentiu o chamado da natureza? 

Mas tais movimentos e trocas tinham testemunhas. De alguma maneira sua mãe ficou sabendo. Precavida, percebeu que a mistura de sonho e frustração nunca foram bons companheiros de adolescentes. Melhor acenar com a realização de um sonho quase impossível, que lidar com as consequências de atos mais terrenos.

Antes que precisasse recorrer para uma solução mais drástica, a própria Julieta encontrou outro amor. Seu jovem primo. Quem nunca sentiu essas paixões juvenis pelos parentes próximos. Principalmente quando eles vem em férias, contando novidades de outros mundos e fazendo com que os olhos sonhadores brilhassem ainda mais.

O aparente paraíso de uns e castigo para ela, se tornou mais triste. O Doutor se foi. Jovem para os dias de hoje, um tempo normal nos anos 30, sem tantos recursos de medicamentos e exames. Urgia fazer algo com aquela jovem cujos sonhos não cabiam em um mundo que parecia se encolher. Sua mãe, que já sofrera por amor adolescente, pensava em como.    

Chegou a solução. A tia de quem herdara o nome. Viúva com posses, irmã mais velha de sua mãe, poderia levar a jovem Lieta para o tão sonhado Rio de Janeiro!

Espelhos e namoros escondidos que esperem! Primos que voltem aos seus destinos. Agora era hora de enxoval e chapéus. Lá ia a jovem sonhadora para sua primeira grande aventura. O navio a esperava.

Mal sabia que ao singrar mares, ia encontrar seu destino. 

Francisco. Jovem e charmoso rádio telegrafista da companhia Loyde do Brasil. Ele deve ter notado aquela gaúchinha de olhar altivo, linda como nunca tinha visto em seus mares cearenses. Deve ter feito a corte enquanto ela olhava o mar, debruçada no convés. Deve ter falado de mundos mais amplos, das viagens que fazia e deve ter acendido na jovem Julieta um fascínio que nunca a abandonaria.

Demorariam alguns anos, outros namoros e descobertas, e muitas viagens dele para selarem seu destino na igreja do Pão dos Pobres, em Porto Alegre.  


A guerra os alcançou na viagem de núpcias para o sul dos EUA, quando as luzes do navio eram apagadas para que o fogo inimigo não os visse. Imagino que o fogo amigo se fizesse mais premente nos jovens recém casados.

Julieta continuava a singrar mares e aventuras como sempre imaginara desde pequena, fazendo dos sonhos, realidades de sua alma de rainha. 

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

amantes eternos (divagações com a IA)

Das podas necessárias

Escolhas