Donatila, a comandante



aiiiii...!!! Gritava a jovem Helena enquanto sua irmã a jogava sobre a cama e lhe dizia, com um tom de voz que não deixava dúvidas: tu não vai namorar o primo, vai namorar o Paulo que é um rapaz de futuro e bom!

Sábias palavras e atitudes de quem sempre foi meio maga. Ainda ia ter essas capacidade de ver com clareza as definições da vida, olhando para cada um que passasse na sua frente como se fosse um raio x, daqueles que escaneiam e sabem exatamente o que se fez e o que não se fez. 

Órfãs, Sylvia Donatila e Helena Selma, viviam agora com seus tios, em Santa Maria. Uma cidade ainda não efervescente com a vinda da futura universidade que, um dia, iria atrair mais jovens como elas para um futuro de conquistas. Para elas, restava estar de casa em casa, desde que seus pais morreram. 

Habituada a viver com seus tios que desfrutavam de uma boa posição social e econômica, logo a Sylvia tomou conta da casa. Era ela quem decidia as despesas, se podiam comer isso ou aquilo. Seu tio, gerente de um banco importante, devia agradecer a rotina que controlava os gastos. Sua tia, devia adorar não ter que cuidar desses assuntos domésticos. Os primos jovens deviam estar mais atarefados com as suas vidas para se preocupar com isso. 

Foi com alegria que ela recebeu sua irmã mais nova, vinda do Rio, já noiva do bom rapaz que morava em uma cidade próxima. Seria de novo sua companheira e poderiam, por momentos, imaginar que suas vidas eram normais, que estavam ali de férias ou estudando e logo poderiam voltar aos seus tão queridos pais.

Qual o quê! Esses momentos de sonhos eram fugazes. Logo elas confabulavam uma maneira de não depender de mais ninguém. Foi dela a ideia de ir aos correios e pedir emprego para as duas. Naqueles tempos bastava uma indicação, não havia necessidade de concursos. Estávamos em pleno início da década de 40. Havia uma guerra mundial e elas, com todo cuidado, escondiam o sobrenome alemão para não haver perseguições.

O chefe dos Correios, entre surpreso com o pedido, nada usual para moças da posição social delas e querendo agradar o tio importante, lhes conseguiu vagas.

Que felicidade!!! Iam ganhar seu próprio dinheiro, não precisariam ficar de favor na casa de ninguém! Correram para contar em casa e então, a grande decepção! O tio mais que depressa lhes disse que não, que  nunca, o que iam pensar dele, que não tinha condições de criar suas sobrinhas? E aí não adiantou súplicas nem argumentos. A Donatila teve que entender que nem sempre as mulheres tinham a possibilidade de levar suas vidas com autonomia. Talvez mais tarde. Talvez algum dia suas filhas  e sobrinhas poderiam alcançar mais que ela. Mas que valesse a tentativa, ia comandar sua vida de outra maneira. A que desse. Como desse.   

Ia ser maga com bastão de comando, com uma doçura firme e cristalina pela vida afora.

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