Cada vez mais nichados e filtrados


Quem é esta que me olha no avatar de uma rede social e que parece vagamente comigo? 

Uma mulher filtrada que hoje em dia ninguém lá é muito autêntico se não se enquadrar naquele tipo de beleza pura, a que já nasce perfeita. Ou quase. Ou perto.

Para corrigir as imperfeições existem os filtros. Além dos insondáveis e aplicáveis na vida real, temos os da vida virtual. No dia a dia as pinturas de cabelo, maquiagens, batons e polimentos de educação social nos fazem mais palatáveis para a vida gregária. 

Tudo bem que existem aqueles momentos olho a olho que caem as máscaras e a realidade se faz pungente. Ou urgente. Ou ainda simplesmente convergente.

Quando era pequena as fotos eram coloridas e retocadas quando mais profissionais. Hoje qualquer aplicativo que se preze nos transforma em algo que não somos. Esses dias estava brincando com um desses de restauro de fotos antigas. O resultado maravilhoso! Mas um tanto idealizado dos verdadeiros rostos de antepassados. Mas como tudo na vida, o que resta é a versão, mais que os fatos. Na ânsia de trabalhar imagens, abastecemos a inteligência artificial de reconhecimento de rostos. 

Qualquer um poderá nos achar em meio à multidão. Qualquer um nos fará remoçar e envelhecer como lhe aprouver. Qualquer um gerará videos com palavras que nunca dissemos, mas que sairão perfeitas de nossas bocas como se verdade fossem.  

A eu de boca vermelha sorridente talvez expresse uma emoção interna, sendo o olhar de fora para uma eu mais crua que talvez também não represente o que sinto, uma eu tão mais prosaica onde os arroubos de vida e buscas não estejam flamejando como gostariam.

Onde então a verdade? Somos personagens de um artista (ou de vários) que nos retocam ou nos deixam a liberdade de o fazer? Nossas versões filtradas coexistem com as de outros e se mesclam em uma imensa multidão de desencontrados.

Mas quando conseguimos tocar com verdades a outra verdade que se encontra no cerne de outra alma, dá-se o choque da descoberta. E já nem importa qual filtro usemos. Duas obras de arte se reconhecem em sua essência.

E assim caminhamos, humanidade. Cada vez mais nichados e filtrados. 

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

amantes eternos (divagações com a IA)

Dos meus pertences

Das podas necessárias