Uma carta para o passado


Minha querida Elenara ainda nos primeiros anos de sua/nossa vida, te vendo assim sorridente, o que não era habitual, nessa foto de 1958, fico aqui imaginando o que motivava a alegria nos teus olhos e te imagino naquele andar cambaleante dos que se aventuram por este mundo, ávidos de descobri-lo.

 Sempre fomos curiosas. 

Nossa eterna mania de perguntar além e além já era meio inata, devia vir no DNA de gente que nos precedeu. Do nosso quartinho no meio do corredor e que tanto nos marcou pela falta de privacidade. 

Privacidade e curiosidade seriam nossas marcar indeléveis. 

Crescemos entre acenos à liberdade e o medo de nos expor ao mundo. Uma confissão, minha pequena loirinha de olhos quase pretos: isso nunca mudará, não importam as leituras e terapias. Talvez os suplementos de B12 tenham ajudado um pouco. Talvez seja a maturidade chegando e nós tenhamos que achar uma explicação lógica. Como sempre.

Vamos sempre nos amparar na lógica. E no delicado equilíbrio entre a extrema empatia e a defesa ferrenha de nossa liberdade de pensar.

Nunca vamos nos aferrar à causas, dogmas e certezas alheias. Vamos absorver deles o que nos causa interesse e descartar o que não.

Vamos errar, minha pequena. Vamos errar muito. Por medo, por orgulho, por ignorar. Mas também vamos trabalhar com isso do nosso modo. Não vamos pedir muita ajuda. É nosso jeito duplamente ariano e geminiano de ser.

Vamos passar por fases místicas, mas sempre mantendo um pé no chão. Pragmatismo e diplomacia nos definem.

Vamos ralar na nossa ingenuidade que querer ajudar os outros e o mundo. Vai ter até aquela vez, no colégio, onde um vendedor de livros vai dizer para seu pai, na sua frente, que você revelou um desejo inútil de querer um mundo melhor e que isso não é um objetivo de vida. Releve. Você só está na frente do seu tempo.

Vai ter também as comparações com outras pessoas. Até dos qe você mais ama. Vão nos querer mais abertas, mais alegres, mais expansivas. Releve. Um dia vamos nos amar do jeito que somos. E vamos descobrir que esse era nosso melhor lado, desde sempre. 

Vão nos cobrar corpos mais ajustados aos modelos. Vamos sofrer com isso. Somos baixinhas, cheinhas e de peito grande na adolescência. Nunca vamos crescer depois dos 11 anos. Se acostume. Vamos fazer dietas malucas e ficar num ioiô doido até compreendermos que mudar a alimentação e fazer exercícios vai nos garantir mais saúde. Se puder, não se encuque tanto. Ah! E peitos grandes vão virar moda um tempo depois. Não os esconda tanto.

Se pudesse dar conselhos para a minha criança, diria para não tentar se enquadrar tanto nas expectativas alheias, errar mais pelos motivos certos (os do coração sempre são os certos) e sorrir mais. Este sorriso da foto. Esta abertura de ir em frente da foto. Esta mesma inocência encantadora da foto.

Siga, jovem Elenara. Teus passos te levarão longe. Não para as estrelas como sonhaste. Nem para a pesquisa do passado. Mas te levarão para a vida que escolheste e que hoje guiam teus passos, mais adultos, por vezes ainda cambaleantes, mas em frente. A mão que porventura te segurava, hoje já não é mais realidade física, mas estará sempre em teu coração, sendo tua fortaleza e caminho seguro.

A vida, pequena, se faz ao caminhar.  

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