Todo dia ela fez tudo sempre igual


Todo dia ela fez tudo sempre igual, acorda de madrugada, pega o tablet só de hábito e quando se dá conta, são horas desperdiçadas no nada. Notícias daqui e dali que não ajudam a formar uma ideia lógica do mundo desconexo onde habita. O que sobra são um resquício de sono, umas olheiras que serão disfarçadas com base e iluminador. E muito café.

Todo dia ela jura que vai focar. Vai arrumar os cacos da vida que um dia imaginou plena. Vai fazer como aqueles programas de TV onde se colocam três baldes: um vermelho onde vai jogar tudo o que não presta mais, um amarelo onde talvez quem saiba, e outro verde onde sim. 

Todo dia jura para sim mesma que o vermelho vai estar transbordante, que assim do nada vai virar minimalista. Que vai se livrar dos entulhos, dos restolhos, dos encostos. 

Todo dia ela acaba não fazendo nada disso. 

Todo dia ela senta em frente a uma tela, imaginando que vai brotar a velha inspiração e as palavras vão germinar feito sementes em terra adubada. Só que não. Não mais. Palavras interrompidas a toda hora por questões banais. A grande história vai sendo adiada por contas a pagar, super mercado, banco, fraldas e cheiro de mijo. Cheiros que ela nem mais sente, o nojo afastado pelo amor.

Todo dia ela se deixa mais um pouco. Vai ficando cada vez mais parecida com as outras, menos ela. 

Todo dia ela suspira, joga paciência quando quer descansar. Assiste uma série qualquer, faz de conta que lê, posa de intelectual mesmo não concatenando as ideias. Sente um misto de azia na boca do estomago. Toma vinho para ver se as estrelas voltam a brilhar. Se esquece de ver a lua. Logo ela, tão selene desde pequena.

Todo dia ela jura que vai mudar. Vai mudar. Vai mudar. Só que continua a mesma. A mesma procrastinação. A mesma insônia. Os mesmos casos. A mesma felicidade rota de alguns momentos. As mesmas fugas. Os mesmos olhares. 

Todo dia ela pensa que um dia vai ser outro dia. Só que nunca é. 

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