Leio obituários de jornais

Me pego pensando no porquê ainda leio jornal impresso. Quando ele chega pela manhã, as notícias já são velhas e eu mesma já sei das novidades pelas redes sociais e pelo rádio. Um dos motivos são os obituários.

Em épocas passadas se sabia das mortes de conhecidos pelos anúncios nos jornais. Para quem se acostumou a saber pelas fotos enlutadas em redes sociais, nem sempre foi assim. Se era parente próximo ou muito amigo, telefonemas fora de hora já causavam comoção. Notícia ruim corre como raio, a gente já se preparava. Não raro os velórios duravam madrugadas, regados a causos e piadas que, nessas horas, o humor ajuda a espantar a tristeza e o medo da finitude.

Hoje poucos anúncios nos jornais. Não que não morra gente como antes, mas o preço deles é proibitivo. Restam os obituários com fotos e resumo da vida dos defuntos. Ainda são grátis em alguns órgãos de imprensa. 

Se já não são a primeira coisa que olho ao abrir as páginas, sempre paro um instante e leio todos. São minha homenagem às pessoas. Dizem que a gente realmente morre quando a última pessoa que lembra de nós se vai. Até lá vivemos no coração e memória de alguns.

Corro os olhos pelas fotos de anônimos e famosos. Algumas recentes mostram rostos velhos, mas milagrosamente vivos pela eternidade da imagem. Outras ainda os mostram jovens. Uns eram realmente quando uma doença, uma fatalidade, um ato tresloucado os levou. Estes últimos não ganham linhas. Não se noticiam suicídios para que outros, na beira da decisão extremada, não se sintam compelidos a ir também pela total falta de esperança.

Mas em geral o que leio são histórias de vida. Conquistas, coisas que gostavam e sabiam fazer. Companheiros que choram saudades. Filhos, netos e muitos bisnetos. Cada vez mais vejo gente com 90, alguns passados dos 100. Uns morreram rodeados de gente querida. Outros penaram em hospitais. Outros ainda estavam em casas de repouso, eufemismo para asilos. Os depósitos de velhos como minha mãe costumava falar.

Gosto de parar um pouco e pensar em quantos romances e histórias poderíamos contar com aquelas poucas linhas. Aquele senhor de olhos ansiosos, será que casou com a mulher amada? Quando passou no concurso público, seria seu sonho de vida? A senhora de olhos firmes, será que fazer bolos e cuidar dos netos teria sido sua vocação de vida? Quantos sonhos teriam aquelas pessoas que foram crianças, jovens, maduros um dia? Suas chamas espalhadas em sementes de vida.

Por isso lhes presto essa derradeira homenagem. Por isso continuo assinando jornais impressos. Para que a memória não se perca, nem que seja por um minuto no dia em que uma desconhecida reflita sobre a nossa passagem por este planeta.

Uma gota de carinho pela vida.   



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