Pele de alma, um reencontro com o eu


No meio da tarde, olhando o por de sol cada dia mais belo, que via dia após dia, de sua janela, teve a lúcida certeza: tinha enlouquecido.
A tênue linha de resiliência que a mantinha presa à realidade tinha-se rompido. Tantas vezes essa corda que imaginava como um elástico tinha ido e vindo que julgou que era eterna. Não era.
Tudo aquilo que não se cuida acaba por definhar. Se é coisa, vai se roendo, se acabando, vira ruína. Se é gente, vai se apagando como luz em fim de espetáculo, e quando se vê não dá mais para brilhar o palco.
A saída é tatear pelo escuro, ver se acha alguma área conhecida onde pousar o pé com segurança. Se bem me lembro, Clarissa Pinkola Éstes fala de um processo onde a mulher necessita de uma volta ao lar, de uma reaproximação de seu eu mais profundo. É na história da Pele de foca, pele de alma onde ela narra como se perde o contato com o seu tesouro interno, aquilo que nos torna nós e como a saúde sagrada nos grita que precisamos reencontra-lo para não morrer.
Em geral isso pode acontecer com mulheres que não conseguiram alojar em si a força necessária para se manter unida à sabedoria que ajuda a preservar a alma das agruras e forças externas. 
"A pele da alma desaparece quando não prestamos atenção ao que realmente estamos fazendo e, especialmente, ao custo disso para nós."
Passara tanto tempo cuidando de outros, se cobrando poderes que não tinha que esquecera das quimeras que a alimentavam. Seus momentos de resguardo tinham escasseado, seus ardores tinham minguado, ela já não vivia, apenas reagia. Urgia voltar.
Por isso seus sonhos de fuga. Voltar para casa como dizem os idosos que teimam em querer se aproximar de suas vidas quando ainda faziam algum sentido. 
Voltar para casa era urgente.
"...não vamos perder a fé, porque no interior da alma está o dispositivo de orientação de retorno. Todas nós podemos encontrar nosso caminho de volta"
Parece algo fantasioso imaginar que se possa, magicamente, viver só o que a alma anseia em um mundo que poucas escolhas nos dá, embora acene com o contrário. E o pensamento mágico que basta mentalizar com força que a realização nos encontrará, tipo fada madrinha, acaba por causar mais estresse ainda, como se fossemos fadadas a ser princesas empoderadas que tudo podem. Não podemos.
E quando esticamos a corda, paramos de nos abastecer com o combustível da alma, podemos enlouquecer. E pior ainda, parar.
O parar nos torna mais ou menos como robôs, seguindo scripts aparentemente tranquilas e competentes, mas nós sabemos que não. Já não somos. O colapso é iminente.
Nessas horas, se ainda há força, é preciso se afastar e voltar ao lar. Há várias formas de fazer isso, cada uma sabe a sua. Viajar, ler, escrever poesias, não fazer nada, olhar as nuvens voando no céu. Não ser perfeita. Não abrir mão de suas coisas. Se RE CONHECER.
Sem sustos. A gente volta. 
Não ir pode nos levar a um abismo perigoso. Podemos enlouquecer.
"Os antigos inuits dizem que o sopro de um deus e o sopro de um ser humano, quando mesclados, fazem com que a pessoa crie uma poesia densa e sagrada. É essa poesia e esse canto sagrado o que procuramos."
Por isso vou. Mas volto.

Frase ressaltadas do livro As mulheres que correm com lobos de Clarissa Pinkola Estés




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